Na tarde deste domingo (28), silenciava, pela última vez, a voz do radialista Júlio Lopes, de Acaraú, vítima da Covid-19. Bastante conhecido no Litoral Norte do Estado, trabalhou como locutor de diversas emissoras, como Rádio Difusora e a Litoral FM. Assim como ele, outros 32 colegas de profissão faleceram por causa do coronavírus no Ceará, segundo levantamento do Sindicato dos Radialistas e Publicitários do Estado do Ceará (SindradioCE). Com cenário preocupante, a entidade cobra que os trabalhadores da imprensa sejam incluídos no grupo prioritário de vacinação contra a doença.
Em junho de 2020, quando ainda havia muitas dúvidas sobre o novo coronavírus o radialista Taciano Clécio, de Juazeiro do Norte, descobriu que estava infectado. Ao fazer a primeira tomografia, descobriu o comprometimento de 50% de seu pulmão. Já o segundo exame, a situação se agravou para 75%. Imediatamente foi internado e permaneceu por quase quatro dias.
“Até os profissionais da saúde estavam com medo. Ainda era algo novo. Não fiquei em estado grave, fui evoluindo, tive alta e ainda passei uma semana tomando antibióticos”, narra o radialista sobre o período doente. Foram 22 dias com a doença.
Diante da pandemia, Taciano teve que trabalhar normalmente apresentando seu jornal diário. Como medidas de segurança, sua emissora colocou seus colaboradores do setor administrativo para trabalharem em casa. Os repórteres também entraram, ao vivo, por telefone. As entrevistas em estúdio foram substituídas pela ligação. Mesmo com todos os cuidados, o radialista contraiu a doença pela segunda vez, neste mês de março, mas com sintomas mais leves. “Só dores no corpo. Nada grave”, detalha.
19 profissionais que morreram estavam no Interior
Colega de imprensa de Taciano em Juazeiro do Norte, o radialista e empresário Normando Sóracles, contraiu a covid-19 de forma mais grave. Após três semanas lutando contra a doença faleceu no dia 25 de dezembro.
Antes de adoecer, a família de Normando preocupava-se com sua saúde, já que era obeso e continuava na sua rotina de comunicador, fora de casa. “Ele necessitava ir às ruas, passar com responsabilidade a situação, mas tinha muito cuidado, usava máscara, álcool em gel, tirava os sapatos e roupas quando chegava em casa. Chegou a faltar eventos políticos, porque ele tinha medo”, detalha a filha.
Lívia confessa que não se surpreendeu quando seu pai adoeceu pela sua rotina como comunicador. “Sabíamos que, mais cedo ou mais tarde, poderia acontecer. Conter um vírus no ar é muito complicado. Até mesmo quando começou os sintomas, meu irmão, que é médico, ficou monitorando. Mas é um vírus que todos estamos suscetíveis”, lamenta.
Dos 33 radialistas que faleceram da doença, 19 estão no interior do Estado, de acordo com o sindicato da categoria. A primeira morte aconteceu no dia 8 de abril e a última ontem (28), com a partida de Júlio Lopes.
De acordo com o presidente do Sindradioce, Tony Pereira, a doença afetou não apenas idosos, mas profissionais de outras idades, como Pedro Hallan, que foi vítima da covid-19 aos 28 anos. “Ainda temos, pelo menos, outros três colegas internados”, reforça.
Inclusão no grupo prioritário
A entidade orienta a todos os veículos de comunicação a adesão às medidas de prevenção, como sanitização de estúdios das emissoras, adesão de trabalho remoto e, para profissionais que precisam permanecer ao local de trabalho, o uso de EPIs. “O pessoal que estava trabalhando nem estava indo tanto ao estúdio. As rádios adotaram também que poderia ficar só um comunicador e a maioria em trabalho remoto”, conta Tony.
Antes mesmo da morte de Júlio, no último dia 22, o Sindradioce já havia enviado também um ofício ao governador do Estado, Camilo Santana, pedindo a inclusão da imprensa no grupo prioritário de imunização. Um projeto de indicação do deputado estadual Tin Gomes, enviado no último dia 16, já tramita na Assembleia Legislativa, incluindo, além de trabalhadores do rádio, profissionais da televisão.
“Como um serviço essencial, de acordo com o decreto estadual, e diante da situação, achamos necessária a imediata inclusão dos radialistas e jornalistas na lista prioritária”, justifica o sindicalista.
O próprio Taciano, logo após a morte de seu colega Normando, conta que cobrou parlamentares pela inclusão dos profissionais da comunicação no grupo prioritário. “É um medo de algo invisível. Acaba que somos serviço essencial e não estamos no grupo prioritário. Termina sendo uma contradição”, provoca. Lívia Romana reforça: “A imprensa faz um papel lindo, social, informativo, mantém o dia a dia nas ruas. Deveria ser contemplada”, completa.
Por Antonio Rodrigues
Fonte: Diário do Nordeste