“E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio.
seguia sempre, sempre em frente.
E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.”
Mário Quintana
D. Celina Teles completa cem anos. O centenário é o sonho de consumo de muitos nessa terra. Vislumbramos a longevidade (no fundo quase com temperos de imortalidade) sempre com os olhos fitos nas nossas possibilidades e limitações atuais. Atingiríamos, assim, um século de existência lépidos e lúcidos com aquela vitalidade juvenil que explodia, como fogos de artifícios, na nossa adolescência. O tempo, claro, na sua inexorabilidade, cobra-nos a penosa conta por desafiá-lo e, tantas e tantas vezes, o que resta com o passar dos anos é um mero simulacro daquilo que um dia fomos.
Talvez o que importe mesmo seja tudo aquilo que desfrutamos no convívio diário com nossos semelhantes. O amor que destilamos na primavera, o gozo que desfrutamos no verão, a paz que colhemos no outono. Quando o inverno chegar com seu gelo e suas trovoadas teremos tempo de colher, pacientemente, todas as boas lembranças que fomos semeando ao longo do caminho.
D. Celina faz cem anos! Uma existência simples e radiante. Professora de primeiras letras formou muitas e muitas gerações de crianças a quem entregou, pacientemente, a chave do conhecimento e para quem ensinou como destravar as janelas do mundo. Casou com o amor de sua vida. Um homem compenetrado, sério, honesto, simples: um artista na música, no desenho e, principalmente, nas artes de viver, de conviver com seus semelhantes, de desfrutar todos os instantes apoteóticos da vida. Luiz Morais tinha uma inata visão holística do universo. Um homem que provou que era possível entrar no lamaçal da política sem sequer manchar o seu límpido e imaculado terno de linho. D. Celina trouxe o contraponto imprescindível ao equilíbrio do lar: a determinação, a rigidez nos momentos que se fazia necessária, a educação dos sete filhos que foram brotando ao longo da existência. Todos condimentados, dia a dia, com o tempero agridoce imprescindível na formação das almas e dos corações. E a força gravitacional de D. Celina estendeu-se aos netos , bisnetos e trinetos que se foram, geração após geração, se acercando da casa da matriarca da família, como viandantes sôfregos que buscam a sombra benfazeja da grande árvore acolhedora.
Hoje, cem anos passados, o tempo lhe proporcionou o maior dos prêmios. A possibilidade de contemplar os galhos incontáveis do seu caule de onde brotam: a ramagem vultosa, as flores perfumadas e os frutos que pendem dos galhos e espalharam-se ribanceira abaixo, para o enlevo dos pássaros e para novas e opimas messes.
Cem anos depois, a professora Celina Teles nos deixa a maior de todas suas lições. Sem alardes publicitários foi, durante toda sua trajetória, debulhando a casca dourada das horas e espalhando pelo caminho. Aparentemente inúteis essas cascas adornam ainda hoje o colo de incontáveis companheiros de viagem, como joias áureas, faiscantes e reluzentes. Essa é a maior das lições de nossa mestra: Vida!
Por J. Flávio Vieira, médico e escritor
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri