O Coronel Anfrízio Arnaud era uma das figuras mais respeitadas de Matozinho. Morava num casarão que herdara dos avós, posto estrategicamente na subida da Serra da Jurumenha, num sítio conhecido em toda a redondeza por Angicos. Da calçada alta do casarão Anfrízio tinha uma visão privilegiada das suas terras que lhe dava a certeza de posse e de propriedade. Do lado, o Engenho de Cana, ainda puxado a boi, do outro uma Casa de Farinha e, adiante, o canavial a se perder de vista e o gado espalhado em meio à bagaceira do engenho e nas mangas que se estendiam pra lá do alcance da vista. Anfrízio era conhecido por suas imensas qualidades na solução de problemas na Vila de Matozinho. Com sua autoridade militar, já explícita no próprio nome, resolvia a maior parte da pendências, sem que nem houvesse, na maior parte das vezes, necessidade de judicialização. Principalmente na Área Cívil , o coronel era tiro e queda. Questões de fronteiras de terras, desavenças entre vizinhos, roubos pequenos, as partes procuravam Anfrízio que funcionava como um Salomão matozense. Ultimamente, enveredara também pela área de Família, resolvendo questões de brigas de casais, chifre, cornagem e separações. O que não se sabia era a abrangência da capacidade resolutória do Coronel que, ultimamente, como Clínico Geral, aparecera, com sucesso até como Terapeuta Sexual, pasmem vocês!
Pois bem, trabalhava, há muitos anos como vaqueiro de Anfrízio, Valdemar Salustiano, conhecido, popularmente por Salu. No que tange à pecuária, ele era o capataz principal do coronel. Vivia numa casinha de taipa e, adentrando nos 40, mostrava-se um solteirão convicto. Corria de boca em boca, em Angicos, uma história típica do ciclo do couro no Nordeste. A rarefação do sexo feminino no interior, a proximidade quase diária, com o gado, levou a que muitas fronteiras do amor entre espécies diferentes fossem quebradas. Sabia-se que Salu vivia maritalmente com uma garrotinha do rebanho, chamada de Mimosa. Na falta de garota, garrota! E o amor, quebrando todas as barreiras, era lindo. Mimosa não arredava o pé das proximidades da casa do vaqueiro. Quando o avistava, os olhos brilhavam, mugia profundamente e dirigia-se para de trás de uma moita, próximo de um montinho que diminuía as desproporções de altura entre ela para o encache e facilitava as conchambranças com seu amado.
Com o tempo, Salu fez um pequeno cercado ao redor de casa e um estábulo, diziam que para, com ciúme, evitar a aproximação do touro e, assim, evitar uma concorrência desleal. Este enlace já durava mais de cinco anos quando, numa Novena em Matozinho, nosso vaqueiro conheceu uma moça chamada Tudinha e terminou por se enrabichar. Ela morava na cidade e trabalhava numa lojinha que vendia retalhos. O namoro engrenou e, um ano depois, Salu avisou ao coronel que resolvera casar. Anfrízio sabia do rolo esdrúxulo Salu-Mimi e viu tudo com um certo alívio.
Marcado o casamento, o capataz, para evitar disse-me-disse, desfez o cercado e transferiu Mimosa para uma manga mais afastada. Segundo alguns moradores, ela saiu sob protesto, mugindo e dando coice. Com o andar da carruagem, segundo testemunhas, se aquietou, em troca pelo touro Mutuca, afinal, lhe tinha sido favorável. O grande problema, no entanto, aconteceu com Salu. A lua de mel foi complicada, acerava, arrodeava e não conseguia ir às vias de fato. Já andava meio cabreiro e maluco e, quanto mais se agoniava, mais o problema se intensificava. À beira do desespero, resolveu, então, procurar Anfrízio que tinha a fama de resolver todos os impasses e é aí que entra nosso Terapeuta Sexual. As orientações do Coronel foram salvadoras.
— Eu sei o que é isso, Salu! Você tá com saudade de Mimosa! Pois vou resolver seu problema! Primeiro deixe o quarto bem escuro. Peça para a mulher mijar num pinico antes de ir pro quarto. Embeba a rede dela com leite, para dar aquele cheirinho de curral. Amarre um chocalho no punho da rede. Deixe a esposa se recolher ao quarto e mande ela deitar na rede e lhe esperar. Antes de entrar no quarto dê uma cafungada no pinico para sentir o cheirinho de mijo do jeito que o touro faz antes de cobrir a vaca. Se abufele com ela na rede e, quando começar o vuco-vuco, o chocalho vai ficar batendo: Belém, Belém, Belém… Finque a atenção em Mimosa que tudo vai rolar!
No outro dia, Salu acordou cinco da manhã assoviando “Muié rendeira”. Feliz que só passarinho em apanha de arroz. Tudinha cantarolava Cisne Branco e fazia tapioca atrás de tapioca pro café da manhã. Pra virar, na caçarola, jogava as bichinhas para cima e elas davam até cinco mortais antes de caírem novamente na panela. Nove meses depois nasceu o primeiro herdeiro do casal: Ferdinando. Todo mundo que via o bebê, em Matozinho, parecia surpreso com a beleza do guri:
— Mas menino, benza-te Deus! Ele é mimoso!
Por J. Flávio Vieira, médico e escritor. Membro do Instituto Cultural do Cariri (ICC)
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri