O Crato se prepara mais uma vez para o seu ritual anual de ressuscitação efêmera, quase beirando o monumental, quase beirando o patético, mas sempre mantendo o curso quase inevitável da tradição, que protagoniza uma espécie de buraco negro provinciano em que a cidade e o seu arcabouço existencial se consomem quase que por inteiro, em uma semana, depois ela morre em júbilo, enterrada em berço quase esplêndido, à espera de mais um ano. É por essa época que acontece a Exposição do Crato. Um episódio capaz de condensar e expor todos os caminhos que levam à inércia aprimorada que encobre e isola da contemporaneidade quase que toda a face da quase princesa do Cariri.
Em quase 30 anos, 27 nações se uniram em um projeto gigantesco de exploração de Saturno, utilizando a mais alta tecnologia disponível em pesquisa e voo espacial, isso começou em 1982, quase dois anos depois do lançamento da sonda Voyager, em 1982. A Cassini foi lançada em 1997 e percorreu 7,9 bilhões de quilômetros em 7 anos de viagem interplanetária, com envio de material pesquisado durante 13 anos. Foram quase 454 mil fotografias, 6 luas descobertas, 635 GB de dados coletados e uma revolução geral na concepção e execução de estudos dessa envergadura. Com o fim do combustível da Cassini, um dos mais excepcionais aparatos criados pelo homem entra na atmosfera de Saturno às 8:54 da manhã da sexta-feira, 15 de setembro de 2017. Quase dois anos depois desse avanço enorme para a humanidade, a Exposição do Crato chega a sua sexagésima oitava edição, sem que quase nada tenha mudado na cidade, em termos de evolução material e imaterial.
Ainda resistem as velhas amarras sociais do tradicionalismo, do conservadorismo maltado em continuísmos excludentes, bem como resiste a sistematização peculiar da politicagem do neocoronelato, que estipula quem e o que deve ser explorado, fundando assim a pasmaceira habitual da areia movediça que move o Crato. Ainda é possível registrar na abertura do evento o quase sonâmbulo desfile de lideranças políticas quase ilibadas, que depois dessa aparição morrerão subitamente em seus afazeres públicos, orbitando como sondas aleatórias um vácuo cósmico de improbidades. Ainda é possível ver, em um eterno retorno, as quase oligarquias sociais passeando pelas ruelas do parque de exposição, sem se misturar com os ordinários, depois sentarem em barracas quase aceitáveis, para consumirem produtos quase confiáveis, a preços quase honestos, mas que necessários para a manutenção do muro maioral que separa os baluartes da terrinha e os imigrantes, um quadro mais decadente do que caricatural.
Mesmo que aconteça no mundo sucessivas mudanças da realidade, em uma voracidade veloz, descontínua e fragmentada, servida por aparatos tecnológicos que se fundamentam na física quântica e na nanotecnologia cibernética, ainda estará lá o velho picadeiro, o velho palco ocupado pelo entretenimento de quinquilharias, com uma arte produzida em série e com sua merdologia embalada a vácuo, destinada a uma plateia quase surpreendida, e quase encaixada nos desígnios sociais, somente enquanto dure esse teatro de fantasmagorias, pois ao final esse público voltará para suas beiradas habituais. Há quem afirme que o passado alimenta o futuro e que essas repetições pertencem ao arcabouço dos hábitos e dos costumes, que alinhavam a cultura de um povo. Há quem defenda ser esse o estandarte da parasitose social, econômica, política e cultural. O que se sabe ao certo é que esse é o reflexo de quem se prega as raízes telúricas do ontem e quase vira totem.
Jacques Derrida, entre outros, defende a tese de que a arte, paramentada pelo desajuste natural dos artistas novos, em matéria de espírito e de idade, é capaz de provocar uma revolução magnética no núcleo de qualquer mundo, de qualquer povo, de qualquer civilização. No entanto, existe uma força gravitacional que acopla a criatividade dos guerreiros da tribo Cariri, de forma quase prematura e quase datada, aos nichos oficiais e oficialescos, em que as iniciativas se transformam quase que inexplicavelmente em bolinhas de naftalina, acomodadas quase que estrategicamente em pitorescos institutos, em academias empalhadas, em órgãos de falências múltiplas. O novo eu sei que existe, não sei em que lugar ele se encontra para expressar o inconformado diante da conformação do quase.
Por Marcos Leonel – Cidadão do Mundo
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri