O elevador é um pequeno palco onde desconhecidos ensaiam a arte de evitar qualquer contato. Entramos, apertamos o botão do andar e imediatamente nos tornamos estátuas, mirando fixamente o painel luminoso como se ali estivesse a solução para todos os problemas do mundo. O silêncio que nos envolve é quase um pacto secreto: ninguém se atreve a quebrá-lo, como se uma palavra fosse capaz de desencadear o apocalipse.
No entanto, o silêncio do elevador nunca é realmente silencioso. Ele está preenchido pelo som abafado dos motores, pelo pigarro discreto de alguém tentando não chamar atenção, pelo farfalhar de uma sacola de compras. Há também os silêncios incômodos, aqueles que parecem carregar segredos: dois vizinhos que discutiram no grupo do condomínio e agora se evitam, o casal que brigou e mantém distância respeitosa, o chefe e o funcionário que se esbarram inesperadamente no fim do expediente.
O mais curioso é como nos tornamos especialistas em fugir do olhar alheio nesse pequeno espaço. Alguns fingem ajustar a alça da bolsa, outros checam o celular – mesmo sem notificações –, e há os que simplesmente observam atentamente os próprios sapatos, como se fossem uma descoberta arqueológica. Às vezes, há um audacioso que solta um “bom dia”, mas nem sempre obtém resposta.
Mas há também os silêncios que gritam em cumplicidade. O morador do 802 e eu sempre pegamos o elevador no mesmo horário, e, sem nunca termos trocado uma única palavra, sabemos exatamente em que momento um de nós vai segurar a porta para o outro. Há o silêncio afável do porteiro que sorri em vez de falar, e aquele breve instante de conexão entre passageiros que suspiram juntos quando o elevador para em todos os andares antes de chegar ao térreo.
Talvez o maior problema não seja o silêncio, mas a falta de familiaridade que ele reforça. O elevador poderia ser um ponto de encontro, uma ponte entre desconhecidos que compartilham a mesma moradia. Mas, na maioria das vezes, saímos dali exatamente como entramos: estranhos que dividiram um espaço por alguns segundos e seguiram em direções opostas.
Ainda assim, gosto de pensar que há uma poesia nesses silêncios. Eles podem ser pesados, podem ser embaraçosos, mas também podem ser leves e confortáveis. Quem sabe, um dia, o elevador se transforme em um lugar onde as palavras fluam naturalmente, sem que pareçam uma invasão. Até lá, seguimos praticando essa dança muda, onde cada um encontra seu próprio jeito de existir entre andares.
Por Mirta Lourenço. Médica, professora, cronista e poetisa
*Este artigo é de inteira responsabilidade da autora, e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri