Se em 1532 o escritor francês François Rabelais causou espanto ao publicar o livro “Os horríveis e apavorantes feitos e proezas do mui renomado Pantagruel, rei dos dipsodos, filho do grande gigante Gargântua”, em que ele satiriza a sociedade do seu tempo e condena a mentira, os desmandos, as bizarrices religiosas e a insolência monumental da corte para manter o poder, sendo por isso sentenciado em 1564 ao Index librorum prohibitorum, promulgado pelo Papa, imagine o que ele faria hoje com o maior material de patifaria em curso no Brasil, em plena Pós-Modernidade?!?!
Perseguido pela sanha teológica dos doutores da Sorbonne, Rabelais carrega de humanismo profético os seus enredos, deixando rolar solto e em linguagem chula, as escatologias de uma sociedade preconceituosa, racista, misógina e excludente. Urinas, fezes, obscenidades, roubos, traições, torturas, mentiras e desvios de condutas diversos, povoam cenas realistas e fantásticas, frutos da leitura da realidade de um autor que já não acreditava mais nos valores medievais. O gigantismo dos seus personagens revela o gigantismo de um talento muito além do seu tempo, dono de uma apurada e sofisticada crítica corrosiva. Se vivo fosse hoje, e brasileiro também o fosse, e nordestino por inteiro, com visão sarcástica por natureza, ele se espantaria com o puteiro geral instalado na política brasileira.
O Brasil atual parece ter sido jogado na Idade Média, por intermédio da horripilante proeza patética da administração pública, que se fundamenta nos ideais de imobilidade social, pautados em uma crença religiosa grotesca, bisonhamente cega para os novos tempos, ao mesmo tempo em que completamente inoperante na exegese da família do terceiro milênio. Nesses tempos atuais de circo das aberrações a mentira deslavada, descarada, sem nenhum pudor ou senso de responsabilidade, foi promovida ao papel principal para protagonizar um enredo de criminalidades, jamais encenada em tão pouco tempo, de qualquer governo do Brasil, um gigante sem causa e sem caráter.
A maior escatologia brasileira é um país ter quatro governos e uma eminência parda, sem que nenhum seja proficiente em merda nenhuma, a não ser perseguir de forma implacável um cadáver ambulante chamado comunismo, sendo essa a maior palhaçada anacrônica vivida por uma sociedade, em tempos de sofisticada tecnologia e ampla informação digital acelerada. Sem rumo, sem agenda, sem plano de governo, e com amplas horas dedicadas às redes sociais, como se fora um adolescente que acabou de descobrir o que fazer sozinho com a genital, o presidente desfila uma eterna lista de mentiras, outra infindável de decisões abjetas, que o qualificam como o rei do voltar atrás, além de descomposturas e arbitrariedades que já quebraram o decoro várias vezes. Em qualquer país sério, com política digna e justiça ilibada, ele teria perdido o mandato ao afirmar categoricamente que quer beneficiar o filho ao indica-lo embaixador.
O segundo “governo” é o da família no poder, três filhos, três tesouros da esculhambação geral: fazem parte de comitivas em viagens presidenciais, dão palpites, governam pelas redes sociais, demitem ministros, homenageiam milicianos, fazem rachadinhas, plantam um laranjal inteiro e, enquanto não fritam hambúrgueres, achincalham tudo numa zorra oficial. Não menos importantes, o terceiro e o quarto poder ficam nas dependências palacianas, com direito a trocadilho: Rodrigo Maia é o maior atravessador de propinas da República, durará enquanto for útil; Dias Tóffoli é um misto de guarda costa da família governamental e presidente do STF, tem a proeza de justificar a suspensão de investigações do COAF, a pedido da defesa de Flávio Bolsonaro, com a seguinte frase: a suspensão de ações “é salutar à segurança jurídica”. A eminência parda é uma invenção primorosa da junção do “nada a ver” com o “que porra é essa”: Olavo de Carvalho, que alimenta o discurso do ódio do governo, exatamente por ser o maior cheirador de peido do presidente.
Por Marcos Leonel – Cidadão do Mundo
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