Estive conversando com minha filha sobre escola, ela me falou que quando terminar o ensino médio provavelmente terá estudado em apenas três escolas. Esse apenas soou-me como algo inusitado, que não é comum. Perguntei-lhe a razão do emprego do advérbio e ela me respondeu com um exemplo dentro de nossa própria casa: Leon está no primeiro ano do ensino médio e já está na quarta escola! Verdade, disse-lhe eu e falei que eu também só estudei em três escolas na minha vida de estudante da educação básica. Refleti então que nos dias atuais, essa mudança de uma escola para outra, muito comum hoje em dia, acaba por afetar a própria identidade escolar do jovem, lá na frente, o que ele terá como lembranças? Assim, as lembranças da minha vida escola foramvindo em sequência numa profusão de imagens e sons e cheiro e sabores e toques.
Lembrei-me de meu pai me levando à escola, rápido, pois ia trabalhar, sol quente do entre meio dia e treze horas, suas passadas largas me obrigavam a equacionar uma progressão aritmética diretamente proporcional: para cada um dele, quatro meus. Meu pai era um senhor alto e esguio, eu, uma criança que viria a me tornar um adulto considerado baixinho, dessa forma fica explicada a minha dificuldade para acompanhá-lo e hoje se entende porque ando tão rápido na rua.
Estudava no 18 de maio, minha primeira professora, chamávamo-na tia Veiga, vez por outra a encontro pelas ruas do centro da cidade e faço questão de lembra-la de que fui seu aluno, evito dizer o ano porque as mulheres tem certa reserva com o tempo, que lembra idade, e elas por alguma razão que não entendo, não gostam muito do assunto. Isso eu aprendi com outra professora minha, da segunda série. Pois bem, nesta escola, fui alfabetizado pela professora Veiga, recebi meu primeiro diploma de doutores do ABC, eu estava lindo, diz minha mãe ainda hoje. Acho que quem fez minha roupa foi minha irmã mais velha, roupa esta que depois serviria para várias outras ocasiões, até o dia em que um primo meu de um sítio onde eu fora com minha irmã, falou que eu estava parecendo um sabiá de casaca. A roupa era branca, uma espécie de fraque com um peitoral falsa camisa por baixo onde aparecia o peito em outra cor, um azul em xadrez. Nunca mais quis vestir a roupa.
No ano de 1986, estava no primeiro ano, a minha professora era gente boa, dona Lúcia, morava de frente à escola, razão pela qual nunca atrasara. Foi a primeira mulher de cabelos curtos que eu gostei. Acho que era paixão na época. Quando adolescente sentia atração por mulheres de cabelos curtos. Depois passou. Naquele ano houve a Copa do mundo no México e os jogos eram sempre à tarde. A gente era liberado mais cedo para ver o jogo. Essa é a lembrança mais forte daquele ano. Do biênio em que estudei nesta escola, trago comigo até hoje duas presenças marcantes em minha vida: a primeira é a eterna gratidão ao diretor da época, chamava-se Junior Matos, era ele que eu procurava quando me faltava o lápis e o caderno quando acabavam. caderno do Pirata, sem arame, lá em casa éramos nove filhos e papai só comprava o caderno inicial, então sempre que acabava, eu dizia ao diretor e ele sempre conseguia. A segunda é a presença em minha vida de meu grande irmão Rogério Leonel, ou Rogério Maguim, ele era magrinho na época, nossa amizade nasceu quando fazíamos a alfabetização e até hoje só tem crescido, de maneira que sou padrinho de batismo de seu filho Geilson, hoje com dezoito anos.
No ano de 1987 tive que ser transferido para a escola em que meus irmãos estudavam, Escola de primeiro grau Dom Quintino, simplesmente a melhor escola do mundo, lá éramos os donos, na melhor das acepções, aquele que cuida, era aquela escola em que você se sente especial. Lá tive professoras muito especiais, dona Gorete no segundo ano, minha eterna tia Djanira, no terceiro ano, sempre a encontro pelas ruas do Crato, tia Elza, no quarto ano, encontrei-a outro dia em Santana, quando estava a trabalho naquela cidade, mostrou-se orgulhosa ao saber que eu também me tornara professor. No ano de 1990 passei para o segundo grau maior, tive inglês pela primeira vez, minhas expectativas não se confirmaram, mas aprendi o verbo to be, que me acompanhara até a conclusão do ensino médio. Dona Noélia Brito, 1,5 metros de muita autoridade – o que é História? – e o menino com o dedo indicador levantado: – É o que o homem fez, faz e fará ao longo do tempo. Os elogios soaram músicas em meu ouvido, naquela manhã eu receberia o Nobel fácil, fácil. A professora de geografia era Lisieux, ou para nós, Lelê, jovem e promissora professora, cabelo curto! linda! Português, Elizabeth, pela primeira vez uma professora levou música para aula, foi ela, Pais e filhos, da banda Legião urbana, de uma só vez me tornei fã da banda e da professora, depois Givanira. Matemática, dona Mazé, depois Valquíria. Ciências, dona Jovelina, depois Josefa, Dona Águida, no último ano que houve Moral e cívica e OSPB na escola, tenho medo de que estas disciplinas voltem, depois ela foi diretora, hoje é minha amiga. Dona Rosimeire, estes dias a vi, sempre simpática, depois veio a ser diretora. Dona Mundinha Felipe, nossa eterna diretora.
Escola Dom Quintino, que na época da reforma, virou Dom Morcego, por causa do antigo prédio da rádio Araripe onde ficamos durante o tempo da reforma. Lá onde encontrei grandes amigos Eugênio, Eldo, Gonzo, Daniel, Eldemar, Geilson, Helder Golçalves, Ismênio, Paulinho Lobó, Ivan, in memória, Marcos Cambota, Mauro Celso, Frankniéssio, e tantos outros. Dom Quintino das primeiras paixões, Maria do Rosário, Janilene, Luciana, Alexsandra, Marcia Sirlange… Das amigas Patrícia Lopes, quase uma irmã, Rosalina, Daniela, Kátia, Tatiane, Shirley Gomes, Penha, Rivoneide, Adriana, Edivania. Dom Quintino do grupo voluntário, onde consertávamos as cadeiras que nós mesmos quebrávamos com nossas loucuras; do futsal no SESC nas aulas de Educação Física nas sextas cinco horas da manhã. Da festa de colação de grau com a Banda Pôr-do-sol, nosso primeiro porre escondidos. Dom Quintino de Fatinha, especialíssima, sempre atenciosa ainda hoje. Deve ter se aposentado, de Alberto e sua amizade e calma com os alunos na disciplina do intervalo, faleceu tão jovem.
Depois, ensino médio, e nossa turma se dividiu, alguns foram ao Municipal, a maioria ao Estadual, Eu fui para o Estadual, Colégio Estadual Wilson Gonçalves, lá fizemos novas amizades. Dentre tantos professores, os inesquecíveis Velozo e sua maratona de Física, José Eudes e suas curvas de solubilidade, Fabiana, Português, e Vanda Biologia, promissoras. Xavier, Padim, o lendário, Jorje carvalho, o Jorjão, na lista dos convocados para a seleção de futebol de campo constava o nome de Guilherme Alexandre e Silva, todo mundo chiou: – Mas Jorge, Guilherme joga? – Ao que o grande treinador retrucou: Não se metam, joguem bola, quem sabe da convocação sou eu! Estadual dos intervalos externos na Pracinha, bar do Renato, saudoso, bar do Quintino e suas coxinhas “temperadas”, as meiotas mais rápidas do oeste. Na minha turma de terceiro ano havia oito alunos prestando serviço militar, lembro bem de cinco, Ronaldo, Ulisses, Dias, Tiago, e Carlos, os outros dois não me recordo. Contudo lembro bem da noite em que chegou o comunicado que estava havendo no quartel um plano de chamada para ocupação de um ponto sensível, mais de cinquenta alunos saíram às pressas, euforia total. Para nós era uma convocação para a guerra. Lá fiz amigos como Guilherme, Samuel Pinheiro, kennedy. Com Ambrósio, Ricardo, Carlinhos, Cicinho, meu irmão, fomos campeões do interclasses. Em 1996 terminei o ensino médio. E parti em busca da universidade, mas o êxito só veio acontecer quatro anos depois, é que o ensino médio ainda levou um tempo para fazer sentido, e eu consegui finalmente ingressar na Universidade, mas isso é outra história.
Por Francinaldo Dias. Professor, cronista, contador de “causos” e poeta
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri