As ruas estão cheias de lama. Chove. A senhora de olhos claros rega suas plantas para não perder o costume. O pássaro se encolhe. A criança brinca na bica, seus olhos brilham. O casal faz chamas riscando seus corpos, enquanto suas portas estão fechadas de segredos. O ano está uma faísca para terminar. Aquece uma esperança para o ano seguinte.
Esse ano, trinta e três milhões de pessoas passam fome, só no Brasil. Os preços subiram, o salário encolheu o poder de compra. O dono do banco engorda seus lucros e expande a miséria, mas tem cheiro agradável e maquiagem impecável.
Continua chovendo. A água escorre pelas goteiras, as vasilhas aparam as lágrimas do céu. O casal que fazia chamas chora: a conta de água chegou, cinco vezes mais cara. O desejo zerou, pelo menos, por alguns instantes.
É natal, Jesus não chegou, acredito que não foi convidado. Passa o caminhão da Coca-Cola. Um velho de barba branca e roupa de amor falso, acena, já não tem saúde para correr, mas é vendido como símbolo de felicidade. O velho esse ano trouxe crianças chorando. Os brinquedos foram para o dono do banco. A senhora continua regando as plantas como se nada estivesse acontecendo.
O próximo ano pode ser diferente, mas esse também poderia ter sido. Talvez seja preciso não regar na chuva.
Por Alexandre Lucas. Pedagogo, artista, educador e integrante do Coletivo Camaradas
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri