O Cultura Viva enquanto política pública e posteriormente como política de estado, o qual ficou conhecido a partir dos Pontos de Cultura, é substancialmente uma metodologia e campo de disputar para repensar a relação da sociedade civil e o poder público, no tocante, ao reconhecimento, o aparecimento e a legitimação do protagonismo dos sujeitos e de suas organizações, nos territórios e nos lugares.
O Cultura Viva coloca em evidência o conflito, as contradições e a fragilidade do conceito de gestão democrática e participativa, em especial, no âmbito dos municípios, onde as disputas são mais acirradas.
Reconhecer o papel e o protagonismo dos movimentos sociais na deliberação das políticas públicas, no controle social e no aparecimento da comunicação institucional continua sendo um desafio, um espaço para ser conquistado.
Decolonizar parece ser um termo conveniente para romper com uma lógica de pensamento hegemônico de política pública baseada na negação deliberada do aparecimento das vozes e ações oriundas da sociedade civil, o indeferimento do conflito e da contradição com tática política de silenciamento dos movimentos sociais e o equivocado discurso de gestão democrática e participativa que não se sustenta quando se apresentam as vozes das contraposições, das discordâncias e das oposições.
A democracia não é um conjunto de iguais, pelo contrário, é um caminho divergente. É na divergência que se constrói a democracia, dito de outra forma, é com a participação de diversos e divergentes sujeitos e organizações sociais que se constrói uma gestão democrática e participativa. Não se constrói democracias entre iguais, pelo contrário se alicerça a ditadura ou distanciamento do conceito democracia que não é uno, mas que está longe ser um conjunto de compreensões de iguais.
O Cultura Viva enquanto perspectiva de política pública e de movimento social tem muito para nos ensinar sobre gestão democrática e participativa. Precisamos ficar atentos e desmascarar as tentativas constantes de ataques à democracia ventiladas e orquestradas de forma mais nítida e robustas pela direita representada por um discurso que elege a participação e a democracia como inimigas.
Por lado os setores do campo democrático e progressista, incluindo setores da esquerda, precisam aprofundar o debate sobre a necessidade do protagonismo dos sujeitos e de suas organizações na construção e deliberação das políticas públicas, tendo em vista que é notório, ainda, uma visão romanceada de democracia por alguns setores, baseada em concepções negacionistas do conflito, da contradição e da luta de classes. O diálogo e o consenso não é em hipótese alguma uma homogeneidade numa sociedade dividida antagonicamente em classes sociais irreconciliáveis.
Qual a necessidade do protagonismo dos sujeitos e de suas organizações na deliberação das políticas públicas? Se queremos aprofundar os mecanismos de participação e de acessibilidade das políticas públicas, minimamente os espaços, os micros espaços de poder, precisam ser compartilhados. Neste sentido é preciso também mudar a direção do holofote da comunicação institucional, democratizar a comunicação é um ato político, que orienta quem deve protagonizar as narrativas.
Historicamente, os sujeitos e suas organizações foram excluídos do direito de participar e decidir sobre as políticas públicas e consequentemente de aparecer enquanto construtores da democracia. Isso não é um detalhe, é uma deliberação.
Participar, decidir e aparecer é indispensável para que os movimentos sociais ocupem outro lugar na esfera da política pública. Afinal, é sempre importante entender que a comunicação cumpre uma função política central na ocupação dos espaços de poder e isso nunca foi detalhe.
Por Alexandre Lucas. Pedagogo, integrante do Coletivo Camaradas e presidente do Conselho Municipal de Políticas Culturais do Crato/CE
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri