Teve um tiroteio, bem no meio da barriga, daqueles que não matam. Era uma noite de sexta-feira, tinha preparado um verso para encher a noite de felicidade. Dizem que as sextas-feiras é cheia de ministério. Teve um tempo que esses tiroteios apareciam todos os dias. Parecia uma festa de São João.
Sempre pensei que iria morrer. É dor passageira, faz destroços e passa, mas não passa eternamente, volta sem anúncio prévio. Fazia um rosário no pensamento para contar o silêncio. Os tiros acabaram desaparecendo, aos poucos começava a dançar uma valsa, apenas com a respiração.
Tem dias que os tiroteios parecem não acabar. No interior da casa, um corpo é encolhido com receios dos tiros de verdade, aqueles que matam, que atravessam a carne. Poças de lágrimas e gritos se misturam ao sangue. A criança toma leite, os mais velhos assistem atentamente a tragédia, como se assistissem a uma comédia comendo pipoca.
As balas ficam cravadas, os tiroteios apenas cessam. Os corpos estendidos são publicados sem limites. Encolhidos, outros corpos, escondem as marcas das balas que peneiram os pensamentos.
Os gatilhos estão soltos.
Por Alexandre Lucas. Pedagogo, integrante do Coletivo Camaradas e presidente do Conselho Municipal de Políticas Culturais do Crato/CE
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri