Essa pergunta deverá nortear politicamente os movimentos sociais da cultura e a nova gestão municipal. Os desafios para a nova gestão são complexos e a sua superação depende de uma série de fatores políticos, econômicos e de articulações para colocar a cultura na centralidade e transversalidade política.
A nova gestão tem interesse em colocar a cultura na centralidade e transversalidade política? Esse questionamento deve ser guia da pauta política dos movimentos sociais, pressão e diálogo (diálogo quando possível) devem ser o combustível para consolidar e ampliar conquistas no campo cultural.
Historicamente as conquistas sociais são frutos de uma série de processos de lutas e resistências. No Crato, as recentes conquistas políticas e jurídicas são resultado de muita pressão e nem sempre o diálogo foi um mecanismo possível, muitas vezes o apagamento e o desprezo com as pautas mais emergentes foi o modus operandi.
Dentre as conquistas políticas e jurídicas frutos da mobilização do setor cultural podemos destacar: A criação do Sistema Municipal de Cultural, a Política Municipal do Cultural Viva, a realização da última Conferência Municipal de Cultura, o Plano Municipal de Cultura e a conquista paliativa dos 2% do orçamento para cultura que sofreu um golpe declarado, desrespeitando as deliberações da Conferência Municipal de Cultura e a mesa de negociação. Os 2% não deve ser teto e por isso continuamos defendendo a aplicação de mínimo 2% do orçamento para cultura.
A execução do Plano Municipal de Cultura requer que as políticas culturais caibam dentro do orçamento. Sem ampliação de investimentos do Município e a busca de investimentos externos para além da Política Nacional Aldir Blanc (PNAB), não é possível projetar as políticas culturais na centralidade e transversalidade política.
Atualmente todos os equipamentos culturais do Município, sem exceção, precisam de adequações, alguns estão de portas fechadas, outros funcionam precariamente. Vale destacar que mesmo com reformas e adequados às exigências das linguagens artísticas, garantia de acessibilidade e condições de segurança, esses equipamentos precisam de condições de funcionamento para sua manutenção e programação. Valeu lembrar que está sobre a tutela da Secretaria de Cultura do Município, os seguintes equipamentos: Fundação J. de Figueiredo Filho;
Escola de Música Maestro Azul; Banda de Música do Crato; Biblioteca Pública Municipal do Crato; Biblioteca Luiz Cruz; Centro de Formação e Apoio ao Reisado e Tradições Populares Mestre Aldenir (Escola de Reisado); Museu Histórico do Crato; Museu de Artes Vicente Leite; Teatro Municipal Salviano Arraes; Centro Cultural da RFFSA; Caldeirão da Santa Cruz do Deserto e outros que possam ser criados.
Um outro elemento central é o Plano Municipal de Cultura que deve ser compreendido como Política de Estado e não como política da Secretaria de Cultura do Município, ou seja, essa compreensão coloca a cultura na centralidade e transversalidade da política de governo. O Plano deve ser o instrumento norteador a ser seguido por cada Secretaria e equivalentes do Município.
Os mecanismos de controle e participação social previstos no Sistema Municipal de Cultura e na Política Municipal do Cultura Viva devem ter suas instâncias respeitadas, inclusive o caráter deliberativo do Conselho Municipal de Políticas Culturais e adequado às novas necessidades e abrangências do Sistema Municipal de Cultura. A cadeira do segmento do Cultura Viva deve ser incluída nos assentos do Conselho.
A Política Municipal do Cultura Viva é a principal política de promoção da cidadania cultural, legislação avançada, espelhada na Política Estadual do Cultura Viva e em consonância com o movimento latino-americano do Cultura Viva e é fruto da articulação dos movimentos sociais no Crato. A Política dos Pontos de Cultura precisa ser reforçada com ampliação de recursos que garantam manutenção de espaços e de atividades nas mais diversas localidades urbanas e rurais do município. Os valores destinados para os Pontos de Cultura no Crato são insuficientes e não caracterizam fomento, os valores se assemelham aos cachês praticados pelos centros culturais da região. O Crato é uma das cidades que tem o maior número de Pontos de Cultura certificados, isso é resultado da defesa e da difusão que vem sendo efetivada pelos agentes culturais e suas organizações.
Educação e Cultura são partes da mesma construção, provocar uma política intersetorial é uma necessidade histórica e uma previsibilidade contida nos Planos de Cultura e Educação. Reafirmo, os planos devem ser tratados como políticas de estado e não de setores. Para a cultura estar na centralidade e transversalidade política é preciso também se aproximar das universidades públicas da região do Cariri e entender o seu papel como formulador de políticas e sua contribuição para implementar a legislação prevista no setor educacional.
Nas escolas, o ensino de Artes precisa ser ocupado por professores licenciados nas áreas de Artes. As chamadas disciplinas eletivas precisam ser repensadas para que tenham impacto significativo e contextualizado com a função social da escola que é democratizar o conhecimento. Isso requer combater a chamada “complementação da carga horária” que na prática menospreza o caráter e a importância política, social e estética das áreas ligadas às culturas e as artes. O professor acaba se submetendo a fazer de conta que domina uma área que não tem formação e nem relação.
As escolas, como previsto, no Plano Municipal de Educação podem “Promover a relação das escolas com instituições e movimentos culturais, a fim de garantir a oferta regular de atividades culturais para a livre fruição dentro e fora dos espaços escolares, assegurando, ainda, que as escolas se tornem polos de criação e difusão cultural”. Reconhecer as escolas como espaços de fruição e difusão estética, artística e cultural (equipamentos culturais), possibilita ampliar a escala de democratização das artes e das culturas para um público que historicamente é excluído dos espaços e circuitos tradicionais das artes e das culturas.
Os espaços de leitura nas escolas e as bibliotecas municipais têm função essencial na ampliação da visão social do mundo e na construção de uma cultura leitora. Estamos atrasados na implementação Política/Plano Municipal do Livro, Leitura, Literatura e Biblioteca.
Precisamos sair de alguns modelos atrasados e elitistas, como é o caso da narrativa “Crato: Capital da Cultura”, conceito fundado pelas elites econômicas que serve para massagear egos, romantizar a cultura e reduzir a compreensão de diversidade, pluralidade, conflitos e desafios do campo cultural do município.
As culturas tradicionais, cartão postal da cidade, não devem ser tratadas como adereços, como ornamentos de festas e cerimônias, mas pensada como parte estruturação do direito à cidade e fortalecimento da economia solidária. Cada Terreiro e grupo afastado do centro da cidade é em potencial, equipamento de desenvolvimento social, econômico, turístico, de reafirmação de identidades, amplificação de olhares, circulação e fruição estética. Por isso é necessário a compreensão de interrelações de outras secretarias com o setor cultural e a importância dos mapeamentos territoriais e a integração de cada território.
A nova gestão caso queira colocar a cultura na centralidade e transversalidade política deve fugir do modelo pão e circo, a exemplo do FestCrato que desrespeita o Sistema Municipal de Cultura e desnutri o orçamento do município. Esse tipo de evento é insalubre para a cadeia produtiva da economia da cultura local, não potencializa e nem reafirma, a diversidade e a pluralidade da produção regional, reproduz uma lógica de mercado e enfraquece o repertório simbólico da população.
Os desafios e as complexidades para desenvolver uma macropolítica para cultura no Crato não são solucionadas com receitas, esse tem que ser um dos entendimentos. Quais as condições objetivas para colocar a cultura na centralidade e transversalidade política? É possível fazer diferente?
Sem economia para cultura, não se estrutura sonhos.
Por Alexandre Lucas. Pedagogo, artista, educador e integrante do Coletivo Camaradas
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor, e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri