Escrever crônica é quase como fazer um fuxico. Você pega o fato trivial, acrescenta um pouco de pimenta, que podem ser excessivamente picantes, ou apenas condimentares para lhes dá um sabor diferente. Há quem diga que esta última seja mais usual, embora menos interessante, há os que dizem que aquela sim, mais rara, a picância lhe seja o dolo essencial.
A verdade é que cabe na crônica o que você lembrar do fato cotidiano, e o que você não lembrar, entra complementando a história, é a dose de ficção mister, que carregada de poesia, humor ou tensão, dá à crônica o poder que lhe faz o gênero textual adequado aos tempos de correria hodierna. Começou a ler, gostou, termina, do contrário para ali mesmo, trata-se de um texto curto para que aconteça algo que o leve a gostar. Contudo, de tão curto, difícil não ir até o final.
É no preencher as lacunas de lembranças que o cronista se esbalda, funciona como um cientista que diante de uma cadeia de DNA incompleta, ele lhe preenche as lacunas com DNA de outra espécie, como no filme Jurassic Park, nesse preencher deve entrar a verossimilhança, para que não fique absurdamente fora da realidade. A crônica deve ser agradável à cognição. E nenhum cronista quer ser considerado um mentiroso inconsequente. Vá lá, seja comparado a um pescador.
O bom da crônica é que se tudo nela cabe, nada também cabe. Como na música de Gilberto Gil sobre a lata do poeta. O nada da crônica está para o desimportante de Manoel de Barros, como o mínimo de matizes está para o artista de que fala o mestre Rubens Braga. A crônica é o épico das coisas normais, quase invisíveis: uma lembrança da infância que só o cronista lembra; um pé de milho nascendo no jardim; uma caçada frustrada; uma aula qualquer em que o cronista seja o professor; não importa, qualquer fato poder assunto para uma crônica.
E nisso reside a grande dádiva deste gênero. Exatamente por não ter um assunto específico, ou ter vários e não conseguir externa-los, ontem comecei quatro ou cinco vezes a crônica de hoje, “Zé Bitela” não passou de quinze linhas, “Dente de ouro” só durou dois parágrafos, “A prova” um, e “A tragédia de uma crônica anunciada” nem saiu da ideia. Dormi, acordei hoje atrasado para ir ao trabalho, antes deixando meu enteado na escola, tudo muito apressado. E aí, durante o percurso a metalinguagem me ronda, me sonda, me ganha. E eis que sai essas ideias escritas assim naturais, tão naturais que talvez nem sejam tão boas. Ou importantes. O que só reforça o que já disse antes: a crônica pode ser tudo. Quanto a mim, sou um cronista miúdo.
Por Francinaldo Dias. Professor, cronista, contador de “causos” e poeta
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri