“Existe uma miséria maior que morrer de fome no deserto;
é não ter o que comer na terra de Canaã.”
José Américo de Almeida
Pois é, amigos, um dia chegamos a imaginar que as cenas de miséria, de fome e de morte tinham ficado guardadas nos romances dos anos 30, aqui no Brasil: O Quinze, Vidas Secas, Fogo Morto. Entidades que combatiam a Desnutrição Infantil, simplesmente tinham saído de foco. Parecia coisa de um passado tenebroso, de um período pré-histórico. Em 2014, tínhamos saído do Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação. Aos poucos, porém, começou o retrocesso: tudo como dantes, no quartel dos bolsonantes! Em 2020, mais de 55% de brasileiros viviam, novamente, em insegurança alimentar, mais da metade da nossa população não sabe, de manhãzinha, o que vai comer no almoço e no jantar.
Dados do IBGE recentes mostram que, no ano passado, 106 milhões de brasileiros, quase metade da nossa população, sobreviveu com menos de 14 reais por dia. Este valor, imaginem vocês, é quase 8% menor do valor que tínhamos em 2012, onze anos atrás. No Nordeste, a coisa é ainda mais crítica: 50% da população mais pobre sobreviveu com pouco mais de oito reais por dia. A Desigualdade Social aumentou em todas as regiões do país. Estatísticas recentes apontam que, atualmente, 33 milhões de brasileiros passam fome e 220 mil moravam na rua em 2020.
Por outro lado, o Brasil é o quarto maior produtor de grãos do mundo. A safra estimada de 2021 foi de mais de 270 milhões de toneladas. Somos o maior exportador mundial de grãos em valor. Somos, também, o segundo maior produtor de carne do mundo, com um rebanho estimado em 250 milhões de cabeças. Quanto à carne de frango produzimos em 2021 mais de 10 milhões de toneladas, nos tornamos também o segundo maior produtor do planeta. Para que, mesmo?
Enquanto isso, brasileiros morrem de fome pelas esquinas do país. Durante a pandemia, uma grande onda de solidariedade tomou de conta da população, aos poucos, no entanto, a fome, a morte, a inanição vão sempre caindo numa terrível normalidade. Que diabos de nação foi essa que tentamos construir? Nossa história, basta reparar direitinho, foi erguida por cima de um amontoado de corpos. Dizimamos os indígenas e o continuamos a fazer; torturamos e matamos, sem pena, os escravizados. Abandonamo-los, depois da libertação, à própria sorte. Assassinamos, sem qualquer remorso, aqueles que tentaram resistir, como em Canudos e no Caldeirão. As favelas, as encostas são os novos quilombos. Os pobres e os negros são animais de caça.
Não somos, infelizmente, um país. Somos um aglomerado disforme de vidas. E mais, o maior país católico do mundo, não é Cristão, na verdadeira acepção da palavra. Como disse Lima Barreto, não temos povo, temos plateia. A Desigualdade é nossa Constituição há mais de quinhentos anos. Um país tão rico e próspero, mas como é pobre o Brasil!
Por J. Flávio Vieira, médico e escritor. Membro do Instituto Cultural do Cariri (ICC)
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri