“Existe um povo que a bandeira empresta p’ra cobrir tanta infâmia e cobardia!”, assim constatava o poeta a participação de uma corja de canalhas no tráfico humano de escravos. Hoje, o pano dessa bandeira já não consegue encobrir o trabalho escravo, que pulula descarado, à luz do dia.
Com números tardios, computados pelo Ministério do Trabalho e Emprego, 2.575 pessoas em situação análoga à de escravo foram resgatadas pelas autoridades brasileiras em 2022, maior número desde os 2.808 trabalhadores de 2013. Estima-se que esses números são bem maiores.
Assim prossegue esse país errante, feito um navio negreiro, que nunca partiu para o fim da história, que hora retorna travestido de transatlântico de luxo, em um eterno cruzeiro da esbórnia pública. A reforma trabalhista empunha hoje novos chicotes impiedosos, fabricados pelo engodo da terceirização.
Os novos flagrantes de trabalho escravo se repetem em uma sucessão de sucessos dos ideais escravagistas do neoliberalismo, através do garantismo constitucional que legaliza a impunidade e estabelece ao mesmo tempo, os novos padrões burocráticos para a terceirização da culpa.
O que inclui uma areia movediça judicial, em que as autoridades referentes flagram o crime, resgatam as vítimas, indiciam os culpados, que são levados para a cadeia, os que são encontrados, que pagam fianças, saem ilesos, sobrando a notícia a ser protocolada pela imprensa.
Enquanto esse ciclo se fecha na amnésia coletiva, a delinquência espera em outro porto, uma nova leva de inquilinos da miséria crônica, para serem aliciados em troca de migalhas. Em 2023 são fartos os exemplos disso. Já não existe mais perplexidade com a maior crise moral da história brasileira. A sociedade brasileira parece não se bastar em sua sordidez.
De acordo com levantamento feito pelo Ministério do Trabalho e Emprego, dos resgatados em 2022, 92% eram homens, 29% tinham entre 30 e 39 anos, 51% residiam no Nordeste e 58% nasceram na região.
Quanto à escolaridade, 23% declararam não ter completado o 5º ano do ensino fundamental, 20% haviam cursado do 6º ao 9º ano incompletos e 7% eram analfabetos. No total, 83% se autodeclararam negros, 15% brancos e 2% indígenas.
Uma das mais novas notícias velhas atesta que o festival multimilionário o Lollapalooza foi flagrado com trabalhadores em condições análogas à escravidão. Cinco profissionais terceirizados foram resgatados na última terça-feira (21).
As empresas envolvidas: Yellow Stripe, a terceirizada contratada pela Time 4 Fun, dona da franquia no Brasil, foram multadas e indiciadas. As notas de isenção de culpa já circulam na grande imprensa. Ninguém está preso. Os ingressos vips foram todos vendidos, ao preço de R$ 5.300.
Por Marcos Leonel – Escritor e cidadão do mundo
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri