Era nos tempos dos cabinhas. Éramos reis em nosso território e tempo. Não dávamos conta das coisas do mundo. Nosso negócio era estudar, ajudar os pais e jogar futebol. O campo do barreirão era nosso Mirandão, e nós sonhávamos jogar no Vasco do Alto da Penha.
Andei saudosista estes dias e me peguei lembrando do quanto minha infância foi feliz. Não obstante a luta diária em busca do tal futuro melhor. Meu velho pai tinha um modo prático de nos fazer estudar, levava-nos à roça, em todas as etapas, desde a broca até a colheita. Era a forma de aproveitarmos a quadra chuvosa quando não havia trabalho de pedreiro, porque quando havia, éramos, meus irmãos e eu, os serventes. Ao menor sinal de cansaço demonstrado, ele nos olhava e fazia a pergunta fatal: é pesado? Pois estudem que a caneta é mais leve.
Estudei pela manhã até os catorze anos quando fui pra noite fazer a antiga oitava série do primeiro grau. Sem tempo, com a nova jornada de menino trabalhador e estudante, era preciso procurar meios para diversão. Então, tudo para nós foi muito precoce. Com quinze anos jogávamos com “os caba grande” no racha do fim de tarde. Aos dezesseis, ingressávamos no escrete cruzmaltino do Alto da Penha, o futebol dos fins de semana era a melhor forma de se divertir, com ele, todos sabemos que vinha as resenhas, as primeiras namoradas, as viagens do time. Foi assim comigo e com muitos de meus amigos.
Comecei a lembrar a turma, muitos estão ai casados, filhos, até netos; vivendo bem, dentro desta nossa realidade de comunidade. Dentre as atividades profissionais exercidas, alguns são pedreiros, outros mecânicos, muitos são policiais, seguranças, professores, garis, pintores, enfim, operários dos mais variados segmentos, nenhum ficou milionário, somos no máximo aquele alguém de que falávamos nas apresentações do primeiro dia de aula: “quero ser alguém na vida”, dizíamos como se já não fôssemos naquela época. Éramos os cabinhas.
Um dia em viagem à distante Manaus, me perguntaram o que era um cabinha, para responder, perguntei como eles chamavam os meninos lá, ao que meu interlocutor respondeu que às vezes era caboco, outras curumim. Então mostrei-lhe que cabinha é o regionalismo caririense para menino. Vem do diminutivo vernacular de cabras, “cabras de lampião” referência ao ciclo do Cangaço. No português do Cariri, há a perda da letra R medial, por isso caba, diminutivo cabinha, que no caso em referência a menino, não sofre a acepção pejorativa, sendo sempre afetiva. Se no Rio Grande do Sul há os guris, em Santa Catarina, os manezinhos, os moleques de São Paulo, menor no Rio, lá em nós há os cabinhas. E nenhuma definição é tão poética quanto esta nossa.
Hoje os cabinhas tão modernos, com seus celulares em mãos, perdidos nas redes sociais. Ainda gostam de futebol, mas admiram os jogadores que jogam na Europa, sonham um dia chegar lá, mesmo aqueles que nem cacoete tem de jogador. Conflito de geração que chama? Não se trata de conflito. Hoje tudo é mais favorável, há as areninhas, as escolinhas de futebol em quase todas as comunidades, contudo, já não há tantos atletas amadores sendo formados. Eu fico observando e por onde ando incentivo. Mas sou franco e digo: não se faz mais cabinha como antigamente.
Por Francinaldo Dias. Professor, cronista, flamenguista, contador de “causos” e poeta
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri










