Andei acompanhando as redes sociais neste fim de semana e não vi nenhuma novidade. Vivemos dias estranhos e o maniqueísmo que se instalou no Brasil por conta do caos pós golpe e pós eleição tem feito das redes sociais verdadeiro campo de batalha ideológico. Mas não é sobre isso que quero escrever nesta crônica que ora pretendo.
Por mais que o contexto sócio-político-ideológico esteja acirrado, e eu saiba exatamente de que lado estou, e da minha função de cidadão, professor e cronista, meu coração pede para que eu escreva sobre a leveza da vida. Mas a vida não tem sido nem um pouco leve.
E assim como um soldado que na trincheira em meio aos bombardeios e à iminência da morte, arranja tempo para escrever um poema à sua amada, eu ouso utilizar meu tempo e minhas ideias, e em meio aos bombardeios e ataques ideológicos nas redes sociais, eu desejo escrever sobre a felicidade. Amanhã poderei me manifestar, de novo, contra essa onda de ataques às liberdades democráticas, por ora eu quero a leveza de falar sobre a felicidade.
Mas o que vem a ser essa felicidade? Em tempos tão sombrios, haverá felicidade? Perguntarão na certa os pessimistas, sem olhar que em meio ao caos, a juventude luta pelo direito de ter uma universidade pública de qualidade, e em todo o Brasil são claras as manifestações de repúdio aos cortes nos financiamentos da educação. Isso é um motivo de felicidade.
Eu ando em estado permanente de felicidade, aprendi desde cedo que é simples questão de escolha. E a batalha de todo dia torna-se muito menos pesada. Talvez porque meu coração seja terra fértil onde a esperança está sempre verdinha. Já me confundiram com otimista, e embora pareça, na verdade sou um seguidor do mestre Suassuna que se intitulou realista esperançoso. Eu sou um destes realistas esperançosos, porque acredito que haverá um futuro melhor, sem esquecer de que no presente é que se constrói esse futuro, e nisso reside um motivo de felicidade.
A felicidade, é preciso saber enxergá-la nos pormenores, para que não fiquemos como avozinho infeliz de Quintana que “Em vão os óculos procura, tendo-os na ponta do nariz.” Recentemente com a minha separação, percebi que meu filho ganhara mais desenvoltura e superou a timidez, toma a iniciativa de toda vez após tomar-me a benção, diz um eu te amo tão simples e tão bom de ler ou ouvir e tão sincero, que não há motivo melhor para sentir felicidade.
A felicidade é formada de pequenos retalhos coloridos. E a gente vai juntando e costurando na lida diária, numa conversa com uma pessoas mais velha que pode se chamar Janelice ou Seu Mundoza, numa risada engraçada sobre uma piada sem graça mas destituída de preconceito, de um amigo chamado João Paulo, na energia serelepe de um garotinho chamado Enzo, num conselho eficaz de um amigo chamado Epitácio, num elogio no futebol com os amigos. Ou ainda na percepção de que a namoradinha do seu filho, se chama Vitória, compartilha de ideias progressistas e tem feito muito bem a ele.
A felicidade é como estas flores que nascem amiúde à beira de qualquer caminho, ela está lá sempre, a gente que quase não quer olhar. Pode ser numa sesta de 40 minutos que acaba durando uma tarde inteira todas as quintas-feiras ao lado da filha. Ou na relação de respeito entre duas pessoas que teimam em contrariar o senso comum e mantém a amizade mesmo após um divórcio. Ou na aprovação de um velho amigo numa seleção de mestrado.
Há quem acredite que a felicidade está no fim dos arco-íris, quando na verdade ela existe no acreditar que ela esteja lá. Felicidade não é um ponto a se alcançar, uma meta, um cume ao qual busca o alpinista. A felicidade é percurso, está às vezes no medo da mudança, mas também na coragem de mudar. Está na promessa, mas também no esforço diário para cumpri-la. A felicidade está em se matar um leão por dia. A felicidade reside no riso pelo ciúme banal, na pequena briga e na paz feita que termina em troca de carícias calientes.
A felicidade reside na nostalgia dos tempos em que acreditávamos que éramos imortais e a vida era feita de infinitos que terminam logo ali. A felicidade está no ouvir aquela música que embalou o início do romance. Reside na lembrança de seu velho pai, ou avô com suas histórias inéditas, mas sempre repetidas. A felicidade está no carinho e preocupação da mãe que sempre vai nos ter como criança.
A felicidade é aquela presença sinestésica do tempero da comida que exala cheiro pela casa e extrai um primeiro elogio, que segue aos toques de carinho e mais elogios aos dotes culinários, depois no brilho dos olhos na organização da mesa, embalados pela música baixinha que sai do celular e culmina com o elogio ao sabor daquele almoço num domingo qualquer que terminará num eu te amo simples e verdadeiro.
Felicidade é saber que por mais agruras que a vida apresente, vale a pena optar pela arte, pelo amor, pela verdade, pela liberdade, pela amizade, pelo afeto. Enfim, por mais que o caos que está aí estabelecido nos remeta a uma onda de pessimismo, é importante que tenhamos coragem de ser felizes para que nos fortaleçamos para o confronto contra os opressores. Por isso resolvi escrever essa crônica.
Por Francinaldo Dias. Professor, cronista, contador de “causos” e poeta
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri