Escuto o barulho do biscoito de polvilho sendo esmagado, enquanto olho a mesa cheia de papeis rabiscados, uma faca afiada que poderia cortar a língua e o coração parece me paquerar, uma calculadora que quase não uso, apesar de ter muitos cálculos para fazer, vários fios e carregadores que jamais poderão me ligar ou carregar. A garrafa branca já não tem café quente, tomei quase todo, o que sobra é frio e cheio de pó. Álcool apenas para as mãos, os pensamentos já estão embriagados.
Continuo escrevendo, a mesa parece disputar com a narrativa ainda indefinida. O texto está pronto, mais liquidificado nos pensamentos como um quebra-cabeça, mas quebra-cabeça só pode montar a mesma imagem, pedaços de textos podem contar várias histórias.
Mas a mesa insiste em entrar na história. Apaguei parte do texto para disfarçar as intenções, as entrelinhas muitas vezes fazem caminhos distantes ou distorcem as leituras.
Escrevo com a câmera ligada e desconheço quem observa, talvez a escrita seja um pouco de espetáculo, preenchida de intervalos e encontros. Queria colocar todas as palavras que tatuam os desejos e os pensamentos, mas prefiro deixar a mesa desordenada do que deixar a verdade.
Por Alexandre Lucas. Pedagogo, integrante do Coletivo Camaradas e presidente do Conselho Municipal de Políticas Culturais do Crato/CE
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri