A luta pela aprovação da Lei de Emergência Cultural – Lei Aldir Blanc (Lei Federal nº 14.017/2020), que após sancionada ainda enfrentará desafios que vão desde a liberação dos R$ 3 bilhões para os estados e municípios ao seu processo de implementação que envolverá sensibilidade e amplitude jurídica e concepção de proteção social. Toda a mobilização e articulação em torno da Lei Aldir Blanc coloca em evidência a formação de uma espécie de Partido da Cultura, com feição plural e de organicidade multiforme que vai desenhando uma arquitetura política construída por mosaicos de demandas peculiares e configurando pautas unificadoras de caráter nacional.
É verdade que essa crise pandêmica tem reflexos na dinâmica das relações e nas formas de sobrevivência humana, impactando numa crise econômica e de instabilidade política. Se é clichê dizer que “a cultura foi a primeira a parar e será a última a voltar” podemos afirmar também que esse contexto e a partir da Lei Aldir Blanc foi reoxigenada a aproximação e reaproximação dos agentes culturais, organizações, militâncias partidárias, gestores e parlamentares num estado de “conferência nacional de cultura” com frutíferos diálogos, debates e embates que dão o tom dialético da democracia e da reinvenção.
Um recorte se faz necessário, a partir da construção da Lei, que mesmo tecida por diversos olhares, ela tem como com matriz fundante concepção do Cultura Viva e não é por acaso. A relatora da Lei Aldir Blanc, na Câmara, a deputada Jandira Feghali (PCdoB – RJ), contou com apoio neste xadrez de formulação da Lei do gestor cultural Alexandre Santini (PCdoB), autor do livro “Cultura Viva Comunitária – Políticas Culturais no Brasil e na América Latina” e do idealizador do Cultura Viva no país, o historiador Célio Turino. Em 2014, a deputada Jandira Feghali foi a relatora do Cultura Viva. Esse cenário serve para apontar o teor abrangente, flexível e comprometido com transversalidade da cultura, proteção social e a participação efetiva das trabalhadoras e trabalhadores da cultura.
Esse estado de “Conferência Nacional de Cultura” acontece num cenário de ausência do Governo Federal. Em todo o processo de discussão da Lei, a Secretaria Especial da Cultura (extinto Ministério da Cultura), se fez silêncio, em contrapartida, gestores estaduais e municipais da cultura, parlamentares dos mais diferentes partidos, em especial do campo popular, democrático, progressista e de esquerda, agentes culturais, militâncias partidárias, pontos de cultura e a diversidade de organizações, conselhos e fóruns teceram essa ciranda colorida, desafiante, emergente e imediata para a cultura brasileira que tem como locomotiva a Lei Aldir Blanc, mas que aflora outras pautas.
A Lei Aldir Blanc descortina a fragilidade, a descontinuidade e a desconformidade da política pública para a cultura no país e coloca no centro do debate a necessidade de retomada do Sistema Nacional de Cultura, neste momento a partir dos municípios e dos estados. Por lado, também sinaliza a necessidade de um marco legal da cultura que simplifique, desburocratize e democratize o acesso aos recursos públicos, reconhecendo as diversidades e particularidades da cultura. A implementação da Lei de Emergência Cultural impõe que as legislações municipais e estaduais sofram alterações para acolher e se adaptar a execução da Lei. Isso provoca de certa forma acumulo para pensar um novo marco legal de acessibilidade de recursos pós-pandemia, tão necessário e historicamente reivindicado.
É nesta efervescência e no clima de “Conferência Nacional de Cultura” e no entendimento que esse calor deve ir para além do momento pandêmico, visando a reconstrução de uma política nacional de cultura para o estado Brasileiro. Vamos precisar nos manter mobilizados e articulados para participar das eleições municipais deste ano, como parte integrante desta construção.
Precisamos ter candidaturas aos executivo e legislativo comprometidas com as pautas urgentes da cultura dentre elas: Construção e consolidação dos Sistemas Municipais de Cultura; implementação do Política Municipal do Cultura Viva; inclusão dos percentuais mínimos de 2% do orçamento para fomento a cultura; Política de desburocratização e simplificação do acesso aos recursos da cultura e a defesa do direito à cidade, como parte da luta pelo direito à cultura.
É o momento de aglutinar forças, de ocupar espaços, de ampliar os horizontes e de não cair no discurso rasteiro de negação dos partidos políticos, que tem um teor fascista e é sacolejado pela direita, mas que tem capilaridade em alguns movimentos sociais. Essa negação já demonstrou para que serve, deu um golpe de estado que derrubou a presidenta Dilma e elegeu perfis do tipo Jair Messias Bolsonaro.
É hora de preparar o partido da cultura, amplo, transversal, de base comunitária e ligado a intelectualidade, sintonizado com as pautas nacionais e de alinhado ao campo democrático, popular, progressista e de esquerda. Foi assim que conquistamos a Lei Aldir Blanc com partidos e todos nós.
Por Alexandre Lucas. Pedagogo, integrante do Coletivo Camaradas e presidente do Conselho Municipal de Políticas Culturais do Crato/CE
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri