Passei horas escrevendo, fiquei despida, tirei cada palavra que escondia minhas cicatrizes e as feridas abertas, ainda tinha sangue fresco. Desenhei, no meio do papel, um olho; na mesa tinha um copo de vidro cheio de água para acalmar meu corpo trêmulo e minha respiração ofegante. Deram-me dez bolachas, já que não quis almoçar, não comi nenhuma, as formigas é que aproveitaram.
Somente nós, eu, nua diante papel e ele suportando minhas vestes e o peso imensurável das palavras. Ele sabia os meus segredos, as minhas dores encobertas. O simples papel virou meu confidente. Sabia da profundidade e de cada detalhe dos vulcões e dos terremotos que gritavam dentro de mim. Conseguia fazê-lo sentir o brilho do meu olhar, quando era festa ou inundação. Escrevi sobre o meu primeiro amor e a entrega sangrada que era para ser de prazer, sobre a espera do pão que nunca chegou e das lâminas que retalharam a minha alma no céu e no carnaval. Sobre a fúria que destroça a razão e a fragilidade que se ergue diante do medo. Não deixei escapar nada, tudo foi dito, melhor dizendo escrito. O papel foi o guardião das minhas confissões.
Mas naquele dia o destino não seria outro. Após me ler dez mil vezes, assassinei meu confidente. Amassei, rasguei para não ser remendado e queimei para que as cinzas se escondessem na paisagem e assim me visto sobre as minhas gritarias. As amigas acreditam na minha plenitude, talvez seja, por enxergarem a minha maquiagem quase perfeita.
Por Alexandre Lucas. Pedagogo, artista, educador e integrante do Coletivo Camaradas
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri