Nesta semana, comemoramos os 205 anos da Revolução de 1817. Aqui no Cariri, em pleno início do Século XIX, durante oito dias, o Crato se tornou a mais importante cidade do interior do Brasil, quando, após a homilia do padre Vicente José Pereira, na Sé Catedral, o diácono José Martiniano de Alencar, prenhe das ideias revolucionárias de Pernambuco, deflagrada dois meses antes, declarou a Independência do Brasil, cinco anos antes de ela realmente acontecer e o estabelecimento do regime republicano, um sonho que só se consolidaria mais de sete décadas depois. Num pioneirismo que acompanha o Crato em toda história, temos o protagonismo de uma mulher na Revolução, D. Bárbara de Alencar, a primeira presa política do país e, também, sua primeira heroína.
O que faz a breve Revolução de 1817, tão especial? Aquela que teve a duração de apenas uma semana no Cariri e um mês e meio no Nordeste , até ser totalmente sufocada? Como a maior parte dos levantes brasileiros, os mesmos desvios seriam reiteradamente cometidos. O movimento foi desencadeado, também, pelas elites brasileiras e, como sempre, o povaréu entrou apenas como coadjuvante e bucha de canhão. Havia, como mola propulsora, como sempre alertava o professor Alderico Damasceno, fortes razões econômicas na insatisfação, principalmente no aumento de impostos intensificados pela gastança da família real recém chegada no Brasil. Na carta de reivindicações não existiam temas sociais: não se tocava na desigualdade, na escravidão, na miséria, na perseguição aos índios. Na hora do vamos ver, aconteceria, também, a debandada geral, e mais do que Pedro a Jesus, negaram muitas e muitas vezes a participação. Alguns poucos terminaram por pagar o pato pela ousadia.
O grande diferencial da Revolução de 1817 é bem visível a quem queria ver. O protagonismo pioneiro de D. Bárbara, a sublevação de várias colônias (Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba) com instalação de governos provisórios. Sonhou com a Independência que viria, por inércia, cinco anos depois e, primitivamente, já lutava pela queda do regime monárquico absolutista, uma luta que já se estendia desde a Revolução Francesa (1789-1799). A Inconfidência Mineira de 1789, por incrível que possa parecer, tem uma relevância enorme nos livros de História, aconteceu no coração financeiro do Brasil à época, mas é bom lembrar que não passou de reuniões e projetos. Claro que tem o nome indiscutível de Tiradentes que, em meio aos conjurados da elite intelectual de Vila Rica, era o único mais humilde e desamparado e terminou por, sozinho, ser levado à forca. A Revolução de 1817, na banda pobre do Brasil- o Nordeste, ficou esquecida nas margens dos livros de História. Conflagrou várias colônias, instalou governos provisórios, sonhou com a República e, na hora do debacle, vieram as masmorras inóspitas e terríveis e a chacina da cúpula do movimento no Recife.
Num tempo onde o calar e o delatar se tornaram quase que um modus operandi do viver, na modernidade, onde muitas das mesmas deformidades do passado —miséria, fome, desemprego, desigualdade social— permanecem vivas como no Século XIX, sempre é salutar lembrar a história de homens e mulheres que lutaram por um país melhor e igualitário. Por tudo isso, a Revolução de 1817 continua sendo a mais linda, mais breve e arrebatadora das Revoluções brasileiras. A inutilidade pensada por Câmara Cascudo estava, certamente, na espera dos frutos imediatos que, com galhos decepados tão rápido, não brolharam. Mas, ao redor da árvore, ficaram sementes muitas que floresceriam depois e outras tantas que aguardam um pouco de adubo, um pouco de sereno para rebentarem e repovoarem o mundo.
Por J. Flávio Vieira, médico e escritor. Membro do Instituto Cultural do Cariri (ICC)
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri