O brasileiro não tem memória curta, tem memória seletiva, só lembra o que quer lembrar, só interessa a ele exatamente aquilo que não o comprometa, que não o torne o lixo que vai para debaixo do tapete, justamente enquanto ele é o tapete, usado para ser pisado com estilo e especialidade, com dor e sem piedade. Mas essa dissimulação calhorda foi extinta. As novas ferramentas virtuais operam a mais fantástica biblioteconomia da humanidade. Tudo arquivado e disponível a qualquer hora, em micros segundos. Uma das prerrogativas em não se calar, nunca se calar, é usar esses registros para lembrar quem é quem. Principalmente aos patetas do aboio. Em uma de suas atuações fascistas o desocupado presidente disse em coletiva: “Minha especialidade é matar, não é curar ninguém”. De fato.
O contexto dessa declaração cretina é bem revelador, depois de mais de 25 anos comendo o dinheiro do povo e arrotando asneiras, o desprezível se vangloria da aprovação de um projeto em parceria com os amigos do centrão: fosfoetanolamina, a famosa pílula do câncer. Uma pretensa vacina, tão fajuta quanto a vida pública dele. Essa atuação parlamentar de vazio extremo comprova que o estelionato político é o único projeto dele, incluindo o desprezo que ele tem pelo povo, bem como o pendor abominável pela mentira criminosa. Tal qual Roberto Jefferson, o bandido, o presidente que não governa, é cria legítima do centrão, ambos foram concebidos nos corredores que integram os prostíbulos do baixo clero, que são os políticos especialistas em farejar orçamentos para serem administrados e profissionalmente dilapidados. O centrão é histórico. É a marca d’água da corrupção oficial.
A distribuição de cargos para o centrão, aquele mesmo que o general Augusto Heleno, atual chefe do Gabinete de Segurança Institucional, se referiu em paródia: “Se gritar pega centrão, não fica um, meu irmão”, é uma verdadeira arma assassina assinada pelo presidente do nada. Ela mata o compromisso rastejante com a coisa pública, travestido caricaturalmente com as implicações da milícia que acredita em Deus e na família, bem como extermina a imagem da honestidade pura, ungida em cultos pregados por camelôs e empunhada em riste por inúmeros empresários sonegadores, médicos, advogados, juízes, policiais, professores analfabetos funcionais, balconistas, negros e gays, astrólogos da idiotice, atores e atrizes de quinta categoria, pobres suburbanos, evangélicos gélidos, pastores do obscurantismo e diversas outras espécimes terraplanistas, que diziam Luladrão está preso babaca, agora é nova política contra a corrupção. Essa é a piada seletiva de todos os tempos: como ser um otário em rede nacional.
Mas, como diz o ditado da malandragem: também morre quem atira. O presidente miliciano tem vários cadáveres cruzados em sua linha do tempo, tem várias adições suspeitas em seu story que precisam ser explicadas. São os ossos do ofício especializado em matar. Alguns cadáveres são concretos, outros são abstratos. São zumbis do poder o meio ambiente, a educação, a saúde, a economia, o trabalhador, que foram estrategicamente condenados à morte e executados pelos desmontes, pelas demissões, pelas omissões ideológicas e pelos trambiques da campanha pistoleira. O líder do tráfico em Acari, Jorge Luís dos Santos, foi assassinado em sua cela, tempos depois da moto assaltada do presidente em trânsito, ser encontrada naquele morro carioca. Um mês depois Márcia Frigues Vieira, última mulher de Jorge, e Terezinha Maria Frigues de Lacerda, sua mãe, apareceram mortas a tiros às margens da Rodovia Presidente Dutra, depois de questionarem o suposto suicídio de Jorge. O presidente sem exercício negou envolvimento, mas continuou sua campanha de bandido bom é bandido morto.
Vale ressaltar que ainda estão insepultos os cadáveres de Marielle Franco e Anderson Gomes, bem como o cadáver de Adriano da Nóbrega, assassinado pela polícia baiana, com características de queima de arquivo, amigo do clã do palácio e diretamente envolvido na morte da vereadora e do seu assistente. As investigações da Polícia Federal rondam os filhos numéricos e o pai elevado à terceira potência da incompetência. É justamente essa a acusação do sem Moral, contra o sem senso nenhum de nada: interferência política na PF do Rio de Janeiro, para blindar o lar, amargo lar, e impedir a revelação de ligações indevidas com as milícias, tão defendidas, tão homenageadas e tão amigas muito próximas. A mudança na Polícia Federal ocorreu a sangue frio, em plena luz do dia, com milhões de brasileiros como testemunhas, oculares ou propositalmente ocultadas. Eis a chegada do messias para o culto da cura da culpa.
Mas esse obituário ainda não é a lista definitiva dos que foram suprimidos dessa vida para prolongar a vida eterna do lixão da vida pública brasileira. Como em uma cadeia alimentar vampiresca, sugar as veias abertas da pátria é só o início do processo, o sistema exige carne moída e fresca 25 horas por dia. Sendo assim, nada melhor do que um presidente das corporações, especialista em matar. A caminhada facínora dele e uma penca de empresários embusteiros, para fazer pressão no Supremo Tribunal Federal, para relaxar o isolamento social e abrir a economia, justamente no auge da pandemia no Brasil, em que foram registradas 9.600 mortes provocadas pela Covid-19 e 140.023 casos confirmados da doença em todo o país, fora as subnotificações, com esse número podendo chegar ao quíntuplo, é crime hediondo, com requinte de crueldade. Há quem afirme, satisfeito, que esse é o projeto do governo para garantir a economia e acabar com a pobreza. É fato. Faz arminha que ela some, numa vala comum.
Por Marcos Leonel – Escritor e cidadão do mundo
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri