— Oxe! Degraça pouca é meio de vida!
Com esse axioma, o professor Gilbertino adentrou a praça da matriz de Matozinho, pronto a desdobrar uma tese de banco de praça. Aos poucos se foi juntando uma rodinha, a princípio de bicicleta e, quando avolumou-se em feitio de roda de trator, ele debulhou o resto da glosa.
— Vejam vocês a triste sina de professor! A vida inteirinha ganhando salário de miséria, que, no final do mês perde, inclusive para cuia de cego! De repente, sabe-se lá como, chega uma notícia que vão receber uma dinheirama danada dum tal de Precatório do FUNDEF. Aí, começa logo o suplício, com uma ruma de carcará querendo morder uma parte do quinhão. Onde é que se viu professor ter direito a alguma coisa, né mesmo? A APEOC, entidade de classe, propõe, rapidamente, que a grana seja dividida por todos os professores do Estado e não apenas para aqueles que tinham direito por tempo de serviço. Os dirigentes queriam fazer cortesia com o chapéu alheio, de olho, claro, nas eleições vindouras. Uma banca de advogados, contratada por alguns professores, de repente, resolve cobrar honorários de todos os mestres do estado, descobriu a galinha dos ovos de ouro, a dinheirama chegaria para eles próximo de meio bilhão de reais! E ainda estão aí sojigando o povo, mandando cartinha de cobrança para tudo quanto é lado!
Nélson Rodrigues dizia que tutu compra até amor verdadeiro. Pois o dinheirinho fez milagre: ex-marido voltou a se apaixonar pela esposa; filho brigado retornou pra casa da mãe professora, chorando e a chamando de mamãe; coroa encalhada teve que abrir ficha de inscrição para pretendentes! Já vi que onde dinheiro não resolver, meus amigos, é porque foi pouco!
No início do ano Onevaldo Jurema, aquele cambista de jogo do bicho, tava largando a mulher. Arranjou um amancebo com uma balconista da Farmácia de Liberalino. Já estava o casal cada qual com seu advogado, brigando por dois ou três picuaios. Quando sopraram no pé do ouvido de Onevaldo do tal do precatório, o homem reapaixonou-se, pediu perdão à mulher de joelhos e, dois meses depois, antes da grana chegar, ela já estava prenha de novo. Nené Jurema anda mais santo do que o Papa Chico. O menino nasceu semana passada, roliço, sorridente como bezerro em manga nova. Eu só estranhei o nome do cristão: Camilo Precavinte! Perguntei a Nené de onde tirou aquele nome estrambótico para sapecar num cristão. Ele não teve arrodeio. O Camilo veio em homenagem ao governador que desencavou a bufunfa. Achei estranho o sobrenome de Precavinte. Nené , então, descaroçou:
— Ora! O Preca vem do tal de precatório, sem ele o menino não tinha vindo ao mundo!
— E o vinte? De onde diabos tu tirou vinte?
— Quando eu e a mulher estávamos pra nos apartar, desconfiei que ela tava com algum escandelo com o advogado dela. Por vias das dúvidas — seguro morreu de velho — resolvi homenagear o homem e coloquei os vinte pensando em 20%, acho que é essa pelo menos a contribuição que ele deu na fabricação de Milinho!
Por J. Flávio Vieira, médico e escritor. Membro do Instituto Cultural do Cariri (ICC). Agraciado com a Medalha do Mérito Bárbara de Alencar
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