O Delegrado Sigisfredo Capanema chamou os dois soldados sob sua autoridade, Quintiliano e Severo, e ordenou que detivessem e trouxessem coercitivamente para depoimento o Mestre de Obras Jonevraldo Gambiarra. Recebera, pela manhã, uma queixa crime do Coronel Anfrízio Maia contra ele e queria pôr tudo em pratos limpos, com máxima urgência.
— Tragam Jonefraldo aqui, imediatamente! Se não quiser vir por bem, que venha sob força de pesqueiro, de solavanco e de sabacu!
A soldadesca espreguiçou-se e bocejou. Não estava habituada a ações heroicas, a campanas desvairadas. Quintiliano e Severo tinham no seu portfolio, como atividades mais perigosas, a prisão de Jojó Fubuia, quando se excedia na mendraca e um ou outro arranca rabo, aquieta-arreda, em desavença de marido com mulher. Só. De posse da ordem formal de Sigisfredo, partiram, meio ressabiados, prontos a cumprir aquela que foi denominada, pelo próprio delegado de Operação Sibito Baleado. Imaginaram que fazia referência à magreza do perseguido, cabra chupado, de canela fina, pescoço de girafa desnutrida e que não tinha carne sobre os ossos suficiente pra encher um pastel de vento. Mesmo assim, Quintiliano e Severo, desacostumados com as ações policiais de confronto, saíram com a purga detrás da orelha. E se o homem resistisse? Se quisesse botar boneco e confrontar a autoridade estabelecida? De comum acordo, combinaram que, nesse caso, o ideal era pedir para ele capar o gato, ganhar o bredo e eles lavrarem o relatório explicando que o meliante tinha se evadido.
Macaco velho, não mete a mão em cumbuca! Diplomaticamente, para evitar conflitos desnecessários, Quintiliano e Severo abordaram Gambiarra, em casa, com uma técnica de dissuasão chamada de “Cerca-Lourenço”. Quem quer pegar galinha não diz Xô! — pensaram com prudência. Soltaram então a lábia, com língua de camurça, pedindo a Jonevraldo para segui-los até a delegacia. O sargento Sigisfredo estava precisando, urgentemente, da sua valiosa contribuição para elucidar um caso cabeludo e que suas informações, imprescindíveis ao bom andamento do inquérito, transcorreriam em absoluto segredo de justiça e que ele, inclusive, poderia ser premiado, se tudo se solucionasse a contento. Gambiarra ainda titubeou, estava de saída para o trabalho, mas, diante de tão alvissareiro convite, acompanhou os dois milicos até a delegacia.
Em lá chegando, diante do delegado, descobriu que a historinha não era bem aquela que lhe tinham contado. Um Capanema, grosso como apito de navio, informou-lhe que tinha recebido uma denúncia do Cel. Anfrízio Maia sobre um trabalho desmantelado que Gambiarra tinha feito na casa dele e, aberto o processo indenizatório, antes de levar às barras dos tribunais, queria ouvir a versão dele sobre o ocorrido. Para o seu próprio bem, contasse tudo tim-tim por tim-tim se não quisesse levar, antes, uns conselhos no lombo para ir tomando tento.
— Gambiarra, que trabalho você empeleitou com o Coronel?
— Ele me encomendou o conserto de um muro da casa dele que tinha caído uma parte por causa da chuva.
— E como se justifica, seu Zé Mané, a falta d´água que, desde este dia, tem acontecido na casa do homem?
— Azar muito! Quando eu tava ajeitando o muro, o resto desmoronou, e derrubou aquele pé de Timbaúba que tem defronte da casa do coronel. Pois num é que o tronco quebrou e a Timbaúba resolveu cair logo por cima da caixa d’água de cinco mil litros e tudo veio abaixo?
— A inundação tá explicada, e o incêndio, meu amigo, tu tá doido? Como diabo é que se explica?
— O diabo do fio elétrico do poste defronte caiu em cima do banheiro de palha do coronel e, dali, para o fogo tomar conta da casa foi um pulo!
— Por causa de um pedaço de muro, o coronel ficou sem a caixa d´água, sem a Timbaúba e sem a casa? É isso, seu irresponsável? Que diabo de profissional é você?
— Num me incrimine não, seu delegado! Tive culpa não! Foi o muro! Se não tivesse ventando tanto, também não tinha o fogo se espalhado para as três casa vizinhas e para a torre da igreja e a prefeitura!
— O que? Que profissional é você? Seu fogo-pagou!
— Num brigue comigo não, já lhe disse: não tive culpa! A responsabilidade do desmantelo é do muro, da Timbaúba, da caixa d´água, do fio elétrico e do vento. Eu sou só especialista em Logística, tendeu?
Por J. Flávio Vieira, médico e escritor
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