Bem para lá del mezzo del cammin de nostra vita, no dizer de Dante, pomo-nos a olhar para trás observando a longa estrada percorrida até aqui. Há mais caminho às nossas costas do que à nossa frente. Batemos a poeira do longo percurso e, tantas vezes, caímos nas armadilhas do condicional. E se tivéssemos escolhido outras veredas? Se naquele dia não frequentasse aquela balada onde conheci a Lurdinha? E se houvesse optado por outra profissão, não seria mais próspero? A cada instante víamo-nos diante de veredas e bifurcações na trajetória e precisamos que escolher que direção tomar. Aquela terá sido a melhor decisão? Encontraríamos menos abismos e pedregulhos e lobos se, como Chapeuzinho, tivéssemos preferido o caminho da floresta ao invés do que margeia o rio?
Aqui, ali foram-nos oferecidas alternativas e ofertadas, a seguir, as consequências das nossas escolhas. Diferentemente das trilhas que seguimos pelos bosques, a da vida tem mão única. O sentido é um só e, à frente — sem que se saiba em que curva do trajeto — há um abismo sempre a nos esperar. A visão pelo retrovisor, apesar de atraente e inevitável, é sempre inócua. Não há possibilidade de manobra e retorno. Não deveríamos lamentar escolhas pretéritas, aparentemente desacertadas sob as lentes do hoje. It´s My Way, como cantaria Sinatra. Sempre o mais grave não é a vereda errada que selecionamos, mas, principalmente, a curtição insuficiente do percurso, por mais íngreme e acidentado que ele seja. O verbo viver só se conjuga no Presente do Indicativo, nunca no Passado ou no Futuro, nem no Imperativo ou Subjuntivo.
Numa curva à frente — sabe-se lá onde — o fojo já nos espreita. Quando despencarmos, no último voo do Ícaro, talvez nos passe pelos olhos o filme da viagem de um a outro precipício. Que resquícios ficarão, pelas margens sinuosas da trilha, da nossa passagem? Pegadas, detritos, entulhos, marcas em troncos de árvores? Alguns avisos e sinais que lembrem aos outros viandantes, que nos seguem logo atrás, dos perigos e acidentes espalhados pelas vielas? Ou o legado do silêncio e a leveza do colibri ou da luz que trespassa a superfície das águas deixando-a incólume e intocada? O certo é que nossa viagem será única, irretornável e solitária. Tentaremos deixar marcas da nossa passagem pelas margens da estrada, mas serão apagadas irremediavelmente com as primeiras chuvas de verão. E, no voo final que nos espera, no pélago adiante, a única mala permitida será guardada no bagageiro do coração e não poderá ser resgatada na esteira do aeroporto.
Por J. Flávio Vieira, médico e escritor. Membro do Instituto Cultural do Cariri (ICC). Agraciado com a Medalha do Mérito Bárbara de Alencar
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