O garotinho chegou debaixo da mangueira, que naquela época estava na sua primeira safra. Mangueira nova, plantada no pátio da escola quando da comemoração do dia da árvore, no mesmo ano em que a escola comemorava seu sexto aniversário. Tratava-se de uma escola muito jovem. Jovens professores e professoras transmitiam as lições aos alunos.
Ele pegou a manga madurinha, amarelinha, potencialmente docinha. Naquela época, a escola só tinha até o sétimo ano do Ensino Fundamental. Muita criança no infantil, no fundamental I, no quinto e sexto anos. Mas o sétimo ano era uma espécie de tubo de ensaio, apenas seis alunos compunham aquela turma: Jonathan, eu o vi outro dia na rua, comerciante. Havia apenas uma menina, não me lembro seu nome. Fernando, boa gente, depois de certo tempo resolveu cursar Ciências Sociais, mas nos deixou precocemente. Ricardinho formou-se em Educação física, Jailson em Direito e o sexto, Guilherme, formou-se em medicina. Considero um bom começo de carreira para um professor.
– Gosto mais quando ela tá devês! Disse o garotinho como que decepcionado com a sorte parcial. O professor que chegara à escola também era jovem, e teria naquela casa de educação a oportunidade de experimentar a docência. Teria ele a vocação para tão importante função? Era o que lhe passava pela cabeça. De maneira que as desconfianças eram perceptíveis. Inclusive na entrevista com o diretor da escola. – Qual sua formação? Tem experiência? Estamos precisando de um professor de Português para o terceiro e quarto anos e para o fundamental II. O que prefere?
– Mas uma fruta não cai de sua árvore se não estiver madura! Disse o jovem professor ao garotinho. Das três perguntas três respostas objetivas: – Não; – Não; Fundamental II. Aquele diretor reencarnara o Sr. J. J. do emblemático filme “O Homem Aranha”. – VI semestre de Letras? – Sem experiência fica difícil! – Vou te colocar no terceiro e quarto anos. Meio salário! Começa na segunda!
– Mas a gente pode derrubar! Disse o garotinho firmemente. – Minha formação não é para dar aula para crianças de fundamental I, senhor! O professor, não obstante sua juventude e consciência diante dos fatos, estava convicto de sua decisão. O diretor argumentou com insinuações implícitas: – No fundamental II tem muitas adolescentes e as salas são numerosas. O que não era verdade. O jovem professor desconsiderou as insinuações e foi direto ao ponto que lhe era importante. – Sem falar que o pagamento não atende às minhas necessidades! – Como poderei criar um filho com esses valores?
O garotinho, ainda que preferisse a manga devês, ficou contente por ter chegado na horinha em que a suculenta fruta caíra. E disse em um tom de felicidade: – Vou comer na hora do recreio! Aquela nova informação iria fazer uma enorme diferença na vida daquele jovem professor. Indagou retoricamente o diretor: – Você tem filho? – É casado? – Tudo bem! Sendo assim, poderá ficar com as turmas do fundamental II.
O jovem professor então perguntou ao garotinho que série ele fazia. – Alfabetização! Respondeu com certo orgulho! O professor saiu da sala do diretor, foi até a biblioteca com a coordenadora que lhe mostrou os livros com os quais trabalharia naquela escola. Ela passou-lhe as orientações necessárias e disse que na segunda o aguardaria às setes horas com os planos de aula da semana. Em seguida, o jovem professor se despediu e saiu para sua casa, levando a boa nova à família.
Antes que o garotinho retornasse à sua sala o professor fez-lhe uma última pergunta: Mas o que é devês? – O garotinho pensou um pouco e respondeu com convicção: – Quando a manga tá verde, ela é dura e é branca e azeda por dentro. – Quando tá madura, ela é mole, amarelinha e bem docinha. – E devês, é quando de vez dela está verde e de vez dela está madura, ela está devês! Aquela resposta, que a priori pareceu uma saída pela tangente, nada mais é que a capacidade de simplificar e achar solução para os problemas. Isso é natural nas crianças.
Meus dias naquela escola foram muito mais de aprendizado com aquelas crianças do que de ensinamento. E foi meu filho que me admitira naquele meu primeiro emprego como professor. E foi desse garotinho que recebi uma grande lição.
Hoje, aquela escola cresceu. Imagino quantos professores e professoras não tiveram sua iniciação docente naquelas salas. Se passo de frente à escola, lembro-me daquele tempo e meio que faço certa reverência ao prédio onde iniciei minha profissão. Lembro-me daquele garotinho, deve estar um rapaz, possivelmente formado. Talvez seja um professor, ou engenheiro, não sei. Talvez seja apenas desejo do meu coração. Não sei o seu nome, mas lembro a lição que me deste e isto me basta.
Por Francinaldo Dias. Professor, cronista, contador de “causos” e poeta
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri