“A Violência contra toda mulher
não é Cultural, mas criminal.”
Junior Belchior
São impressionantes os números relacionados ao feminicídio no Brasil. Em pleno Século XXI, não conseguimos nos livrar da chaga patriarcal. Os homens continuam tendo as mulheres como parte indissociável da sua propriedade, não tão diferente dos tempos em que os escravos faziam parte dos testamentos, junto com outros itens de posse, aptos a serem divididos com seus sucessores. Na cabeça do macho, se a esposa resolver seguir caminho próprio será caçada e, muito provavelmente, abatida. Nada mexe mais com a virilidade do que a repulsa por parte do sexo oposto. As separações, em geral, são de alta periculosidade para aquelas que tomarem a iniciativa e fugir da infelicidade e do opróbio. E a retomada de uma nova vida, com um novo companheiro é, então, muitas vezes, sentença de morte assinada. E os números são alarmantes. No Brasil, em 2022, houve um aumento de 5% em relação ao ano anterior no número de feminicídios, quase 1500 mulheres foram mortas pelo simples fato de serem do sexo feminino, um assassinato a cada seis horas. Desde que a Lei do Feminicídio entrou em vigor em 2015, este é o maior e mais alarmante índice desde então. No Ceará, desde 2018, até julho deste ano, foram 157 feminicídios, destes 17% aconteceram no Cariri. A praga parece uma pandemia: das 184 cidades do Ceará, em 72 foram registrados casos. Em média 30 mulheres são assassinadas por ano no nosso Estado.
Toda essa selvageria tinha um esdrúxulo amparo da lei no Código de Processo Penal Brasileiro, com a interpretação da chamada “Legítima Defesa da Honra”, o que tornava os homens uma espécie de James Bond, com “Licença para Matar”. Mesmo com a Constituição de 1988 tornando valores maiores a Dignidade Humana, o Repúdio à Violência e a Discriminação, o argumento era usado amplamente pelos advogados de defesa, impressionando os jurados populares, representantes de uma Sociedade profundamente machista, sexista, misógina. Vários casos Brasil afora de réus confessos de feminicídio foram absolvidos e tantos outros pegaram penas ínfimas. Nesta semana, por fim, o STF formou maioria para considerar a Tese da Legítima Defesa da Honra, em casos de feminicídios, inconstitucional. Incrível, mas perfeitamente compreensível, como esse amparo ao crime tenha permanecido de pé, trinta e cinco anos depois de promulgada a Carta Magna de 1988. Quantas mulheres foram sacrificadas com a certeza de presunção de inocência, dada à sociedade a suas vítimas?
A decisão do STF vem como um alento, mas ele não muda, da noite para o amanhecer, a opressão do sexo feminino. A violência doméstica está arraigada na cabeça dos homens, faz parte da sua substância. Com os avanços do movimento feminista, continua o morticínio e tem aumentado apenas, talvez, o indicie de suicídio dos criminosos após perpetrarem o ato. A mudança passa por arcabouço legal, mas também por educação e humanidade. Se nos dizemos seres racionais precisamos agir diferentemente das hienas e dos leões das savanas da África. Basta apenas entender um princípio que parece tão simples: As mulheres precisam ser compreendidas como parte do Gênero Humano.
Por J. Flávio Vieira, médico e escritor. Membro do Instituto Cultural do Cariri (ICC). Agraciado com a Medalha do Mérito Bárbara de Alencar
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri