Zé Ideia chegou na Praça Siqueira Campos, trazendo mais uma das suas teorias explicatórias das mazelas do Crato. Ruminara todo fim de ano, entre o peru do Natal e o champanhe do Ano Novo, e não lhe restavam mais dúvidas: devia-se à falta de criatividade e ao olho grande dos comerciantes da Vila de Frei Carlos, a derrocada do comércio local.
— Aqui nessa cidade, meus amigos, ninguém bota um negocinho para na semana seguinte já não ter um outro estabelecido e concorrendo no mesmo ramo. Ô povo invejoso ! Anos atrás, ali pras bandas da Duque de Caxias, um sujeito instalou uma churrasqueirazinha e começou a vender frango assado. A novidade pegou, ia de vento em popa, só que uns dois meses depois já existia um cabra estabelecido em cada esquina desta cidade, vendendo galeto com farofa. Lembram do sorvete vendido no peso? Uma mocinha trouxe do Recife a novidade ali para a Miguel Limaverde, imediatamente muitos acharam que ia ficar milionária. Não deu um quinze dias tinha uma balança e um freezer instalado em cada beira de rua. Agora são os Cafés a bola da vez. Vejam a quantidade de bules e tapiocas que já tem espalhados por todos os cuviocos do Crato! E então, com esse governo aí que tem mais doido que no Santa Tereza antigamente, todo mundo agora é empreendedor. Amolador de Faca, Vendedor de Cavaco Chinês, negociante de Rolete de Cana, Vendedor de Quebra-Queixo e Bolo de Puba… tudo é empresário e empreendedor!
Zé Ideia, em meio à grande plateia que se instala ao redor dele, fala ainda dos modismos e da rápida absorção deles por parte do nosso comércio. Anos atrás, um grande comerciante da cidade, que tinha incontáveis estabelecimentos comerciais nas mais diversas áreas (Postos de Gasolina, Pneus, Material de Construção) apelidou sua holding de “Organização”. Pronto! A partir daí qualquer bodeguinha de periferia, banquinha de vender bom-bom e espetinho passou a ostentar, imediadamente o nome de “Organização Zé do Preá”, “Organização Toim de Louro” , etc. Tem até um cabaré, ali nas margens do Canal do Rio Grangeiro com o nome de Boate Trinca Ovo e logo abaixo: “Organização Cicinha Sabiá” . Aliás, afirma nosso pensador praciano, “Budega” e “Boteco” agora são nomes chiques e, na contramão, apelidam bares de pessoas da alta sociedade. Os Salões de Beleza, também, perderam esse status. Uma danada duma cabelereira resolveu botar o nome dela , “Helena Pinheiro Coiffeur” e, a partir daí, em qualquer bairro de periferia, já não existe mais o tal do Salão de Beleza é só nome chique : “Judite Catonho – Beauty Sallon” , “Neuzinha Rodovalho – Hairdress” e por aí vai.

Nosso pensador da Siqueira Campos lembra que, atualmente, a grande epidemia é de Farmácia e Posto de Gasolina. Ele acredita que, na marcha que vamos, daqui um pouquinho, teremos um Posto e uma Farmácia exclusivos para cada cratense.
— Nunca pensei que tivesse tanto comprador de Cibalena e Cibazol , nesta cidade! E nem tem tanto carro rodando pelas ruas. Será que tão abastecendo também candeeiro e isqueiro nos postos?
Zé Ideia fita a plateia sorridente e informa que até pensou em se estabelecer com um comerciozinho na cidade, mas está estudando um ramo que ninguém bote olho gordo e copie. Quando perguntam-lhe que atividade comercial será essa, ela sapeca:
— Tô pensando em botar um Armarinho pra vender anel prá bispo, bola de bilhar, presentes pra aniversário de sogra, sapato pra embuá, caixão de defunto de segunda mão, suspensório pra cobra e bainha de foice.
Alguém sentado no banco da Siqueira Campos estranha o negócio de Ideia:
— Mas, rapaz! Quem diabo vai comprar isso? Essa mercadoria não tem saída, não!
— Eu sei! Mas quero ver quem vai copiar e botar um Armarinho igual, na peste desta cidade! Vem inveja! Vem!
Por J. Flávio Vieira, médico e escritor
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri










