Resolução recente do Conselho Federal de Medicina autoriza médicos a fazerem propaganda em rede social. A partir de agora podem tirar selfies dos seus pacientes, divulgar fotografias das suas clínicas e consultórios, mostrar resultados de tratamentos com fotos antes e depois dos resultados obtidos. Estão ainda autorizados os esculápios a divulgar, publicamente, os preços cobrados por cada procedimento e condições de pagamento, inclusive com os descontos e possíveis promoções. Permitiram-lhes divulgar fotos dos seus pacientes, desde que por eles autorizados. Esta Resolução muda radicalmente a regulamentação até então vigente e deve ter vindo a reboque da explosão das redes sociais e do mundo paralelo que se tornou a vida virtual no planeta. Há pouco, houve a necessidade de normatizar as consultas por Telemedicina, até então proibitivas, já que sem a presença física dos pacientes.
Indiscutível a necessidade, cada vez mais premente e emergencial, de, periodicamente, fazer uma atualização no Código de Ética. Ultimamente, no entanto, o Conselho Federal de Medicina, ele mesmo, anda precisando de um upgrade. Durante a pandemia de Covid-19 autorizou médicos a prescreverem medicamentos sem nenhum efeito cientificamente comprovado contra a doença, sob pretexto de Autonomia Médica. Como se o médico fosse um semideus e pudesse, ao seu bel-prazer, indicar qualquer tipo de terapêutica, como sangria e cataplasmas para tratar um AVC. Pôs-se, deliberadamente, a favor da Covid, apoiando abertamente um desgoverno antidemocrático e negacionista. Faltou apenas firmar o terraplanismo na Medicina. A Resolução atual, a meu ver, põe a uma pá de cal no pouco que restou da Medicina Hipocrática. Nada diferencia, a partir desse momento, o médico de um vendedor ambulante, de um camelô, de um mascate (com todo respeito a essas importantes profissões). Estamos autorizados a vender nosso produto (a Saúde dos nossos pacientes) no balcão virtual, sem nenhum pejo ou dor de consciência. Podemos colocar etiquetas indicando preços de consultas e procedimentos e indicar promoções. Concederam-nos permissão para expor a imagem de nossos clientes (a partir de agora não são mais pacientes), com a autorização deles e divulgar tratamentos fantásticos e milagrosos (mesmo que o texto o proíba). “Instagramamos” Hipócrates; “facebuqueamos” Galeno e Paracelso. Que garantia terão os consumidores, anteriormente chamados de pacientes, de que as imagens sensacionais dos tratamentos estéticos não foram submetidos a filtros de toda espécie? O médico transformou-se num coach e, agora, não será mais julgado pelos seus títulos e graduações, mas pelo número de likes e seguidores que terá no seu Instagram. Pode substituir o receituário por um QRCODE.
No Juramento de Hipócrates, nas formaturas, os médicos agora não jurarão mais por Apolo, Hygea e Panacéa, os deuses gregos da Saúde. Mas por Plutão (deus da riqueza e da morte), Discórdia (deusa da maldição e da desgraça), Hermes e Mercúrio (deuses do comércio).
Algo me faz perceber que Hipócrates viu seu manto sagrado ser despedaçado nesses dias, deve ter chorado ao lembrar que incineraram junto um dos seu mais sagrados preceitos: “Conservarei imaculada minha vida e minha Arte”.
Por J. Flávio Vieira, médico e escritor. Membro do Instituto Cultural do Cariri (ICC). Agraciado com a Medalha do Mérito Bárbara de Alencar
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri