A sanção da Lei 15.176/2025, que reconhece pessoas com fibromialgia como pessoas com deficiência (PcD), representa um avanço fundamental no campo da medicina baseada em evidências, bem como na compreensão social das síndromes de dor crônica. A decisão, que passa a valer a partir de janeiro de 2026, não é apenas política — é cientificamente coerente com o que se sabe, até aqui, sobre a fisiopatologia da fibromialgia.
A fibromialgia é uma síndrome complexa, caracterizada por dor musculoesquelética generalizada, fadiga persistente, distúrbios do sono, alterações cognitivas (como dificuldade de concentração) e sintomas associados à ansiedade e à depressão. Embora esses sinais não se manifestem em exames laboratoriais ou de imagem, a ciência vem demonstrando, de forma cada vez mais sólida, que há um processo neurobiológico real e mensurável por trás desses sintomas.
O conceito de “sensibilização central” tem sido amplamente aceito na literatura médica. Ele descreve uma disfunção no sistema nervoso central em que os neurônios responsáveis pela percepção da dor tornam-se hiperexcitáveis, levando o cérebro a interpretar como dolorosos estímulos que normalmente não seriam. Ou seja, trata-se de uma alteração na modulação da dor — uma falha no controle dos sinais que trafegam pelo sistema nervoso.
Essa condição leva, na prática, a um impacto funcional comparável (ou até superior) ao de várias outras deficiências já reconhecidas legalmente. Há limitação objetiva de atividades básicas, como trabalhar em ambientes com sobrecarga sensorial, manter rotinas físicas contínuas ou mesmo permanecer sentado por longos períodos — sem falar nos efeitos colaterais psicológicos, como a depressão, que têm base neuroquímica.
Do ponto de vista clínico, portanto, o reconhecimento da fibromialgia como deficiência é técnico, e não subjetivo. A medicina contemporânea entende que dor não é só sintoma: é um sinal autônomo, com circuitos neurais próprios. Validar isso na esfera legal é alinhar a política pública com o que a neurociência já confirmou há anos.
A exigência de uma avaliação por equipe multiprofissional — composta por médicos e psicólogos — também demonstra cuidado com critérios técnicos e evita a banalização do diagnóstico. Isso é importante para manter rigor clínico e garantir que os direitos sejam direcionados a quem realmente tem limitações funcionais documentadas.
A isenção de IPI para aquisição de veículos e a inclusão em cotas de concursos públicos não são “privilégios”, mas mecanismos de compensação — previstos na legislação para PcDs — diante das barreiras reais e persistentes que essas pessoas enfrentam no acesso à mobilidade e ao mercado de trabalho.
Por fim, vale destacar que o Sistema Único de Saúde (SUS) já reconhece a fibromialgia e oferece tratamento — incluindo acompanhamento multiprofissional, atividade física orientada, psicoterapia e farmacoterapia. A nova lei fortalece a posição do SUS ao conferir amparo jurídico ao diagnóstico e ao tratamento já existentes.
Em resumo, a lei é um marco legal, mas sobretudo um reconhecimento científico: a dor invisível da fibromialgia passou a ser reconhecida com o peso que a medicina já havia atribuído a ela. Isso não resolve todos os problemas, mas corrige uma lacuna histórica entre ciência e política pública — e, para muitos pacientes, significa dignidade onde antes havia desconfiança.
Por Mirta Lourenço. Médica, professora, cronista e poetisa
*Este artigo é de inteira responsabilidade da autora, e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri










