Garibaldo chegou na Praça Siqueira Campos e já pegou a conversa de Ataulfo pelo meio. No centro de uma roda atenta de curiosos, Gari descrevia, com detalhes, uma grande festa que participara. Esmiuçava detalhes e, com uma gabolice difícil de conter, exaltava a importância dos produtores. Era uma arena imensa com cinco palcos bem distribuídos, em feitio de Rock in Rio. Todos eles juntando uma plateia gigantesca e animada. No palco principal as atrações da noite eram, simplesmente de encher os olhos: Caetano, Gil, Betânia, Roberto Carlos, Chico Buarque e Alceu Valença. Num dos palcos dedicados ao brega: Adilson Ramos, Odair José, Amado Batista, Bartô Galeno. Havia, ainda, o palco do Rock, com a presença confirmada de Sepultura, Titãs, Barão Vermelho, Lobão e Lulu Santos e, diante dele, um público de metaleiros vestido a caráter.
Num dos cantos mais afastados da grande arena, a música instrumental era o prato principal com a convocação já acertada de Hermeto Paschoal, Nonato Luiz, Zé Calixto, Waldonis, Renato Borguetti, Yamandu Costa, Cleivan Paiva, Arismar do Espírito Santo, Spok. Do outro lado do parque, programaram, inclusive, um palco de música gospel para que os crentes pudessem também curtir sua festança particular. Todos as noites eram abertas com shows de artistas locais que apresentavam seus trabalhos, como uma entrada chique das outras apresentações que se seguiriam como prato principal. E o mais legal de tudo, segundo Ataulfo, o famoso Tatá, é que toda a festança era aberta a todos os públicos gratuitamente, com recursos levantados junto a patrocínios na iniciativa privada.
Garibaldo, que adentrou o trem já com a máquina andando, quis saber onde estava localizado aquele paraíso. Festival de Inverno de Garanhuns? Festival Mimo de Olinda? Festival de Verão de Salvador?
— Onde é essa beleza, Tatá? Onde?
Ataulfo , cortado na sua descrição minuciosa, explicou que aquilo não era nada mais, nada menos do que aqui, na Expocrato 2024. Garibaldo, desorientado, saltou das tamancas:
— Oxe! Tá doido Tatá?! Na Expocrato? E a Cidade da Cultura lá ia chamar umas arrumações dessas? Tu virou a bola, foi? Onde diabo tu tá comprando essa maconha estragada, homem de Deus? Aqui as sumidades são Ludmila, Pablo, Natan, Diego Facó, Iguinho e Lulinha… E de graça? Ah, Ah, Ah! Só esse ano, viu, por causa das eleições…
Tatá, então, pediu paciência à rodinha de praça para poder concluir a conversa que ficara pelo meio.
— Calma, Calma, Gari! Ô homem avexado! Deixe eu terminar a história! Pois bem, lá eu estava no miolo do show, no palco principal e, quando Gilberto Gil começou a cantar, com Caetano, “Andar com Fé”, senti um solavanco danado no meu ombro. Pensei até que era alguma briga! Na terceira balançada mais forte, caí da rede, acordei e dei com Marilúcia, minha mulher, me chamando, pedindo pra eu parar de cantar, que aquilo era um pesadelo. E não teve meia conversa:
— Acorda, Tatá! Toma um banho e corre para vender teus picuaios por aí, homem de Deus! Vê se apura algum dinheirinho pra gente comprar os ingressos pro show de Zé Vaqueiro lá na Exposição! Cultura é tudo, meu filho, tudo!
Por J. Flávio Vieira, médico e escritor. Membro do Instituto Cultural do Cariri (ICC). Agraciado com a Medalha do Mérito Bárbara de Alencar
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