O enfermeiro Edson Izidoro Guimarães trabalhava em uma UTI do Hospital Salgado Filho no Rio de Janeiro. Há vinte e cinco anos descobriu-se que ele, na Unidade, decidia, como um Deus, quem devia ou não permanecer vivo. Pacientes mais graves e idosos tinham sua vida abreviada pelo profissional que os dava injeções letais ou, sorrateiramente, desligava os aparelhos que os mantinham vivos. Flagrado num desses atos por uma colega de trabalho, uma investigação constatou que Edson, até então, mandara para o céu mais de cem viventes. Só em um dos seus plantões, cinco pacientes tiveram seus dias abreviados. Preso, Izidoro confessou o crime sob alegação de que agira por pena para aliviar o sofrimento de muitos enfermos e das famílias e que não se arrependia. O aparente ato de misericórdia de Edson, descobriu-se depois, era monetizado. Ele recebia entre 100 e 1000 reais por cada um dos assassinatos ao avisar às funerárias que, com informação privilegiada, negociavam com a família os trabalhos funerários. A referida compaixão de Edson tinha, assim, uma vantagem financeira, ele não se diferenciava muito dos pistoleiros e justiceiros Brasil afora. Terminou com uma pena branda de 31 anos de reclusão. Já deve estar novamente nas ruas cheio de peninhas com sua Pastoral da Piedade.
Recentemente, no Peru, a psicóloga Ana Estrada conseguiu, na Justiça, o direito de amenizar seu sofrimento, consolidando o primeiro caso peruano de Eutanásia permitida judicialmente. Estrada era portadora de uma doença neurológica degenerativa e progressiva e mantinha-se viva com ajuda de aparelhos e alimentando-se por sondas. Mantinha o contato com o mundo apenas pelo movimento dos olhos e decidiu pela saída pela porta dos fundos, quando constatou que ficaria cega, fechando-se, assim, a única janela de comunicação que tinha com o mundo. A Eutanásia, principalmente por conta do viés religioso, é polêmica e motivo de infinitos debates planetários. Países como Bélgica, Holanda, Espanha, Portugal, Canadá, Colômbia, Cuba, Austrália e Nova Zelândia e alguns estados dos EUA já legalizaram o ato que tem respaldo em princípios da Bioética e precisa ser visto como um dos direitos fundamentais da pessoa, aquele de descer do ônibus quando a viagem já não for prazerosa.
Existe, no entanto, uma distância colossal separando Edson e Ana Estrada. Ele, que se dizia enfermeiro, decidia quem devia viver ou morrer, independentemente da vontade do enfermo e fazia isso pensando na propina, era um assassino frio e calculista, um matador de aluguel. Estrada reivindicou um direito que, na verdade, não é negado sequer aos outros animais, aquele de amenizar o sofrimento quando a permanência nesse mundo é apenas uma questão burocrática, paga com o altíssimo preço de dor e penúria.
A visão estritamente religiosa reza que a vida é um atributo divino e, assim, só a Deus, que nos ofertou a existência, deve ser dado o direito de tirá-la. Já que recebemos o dom de existir, não cabe a nós decidir até quando o presente vale a pena ser degustado? Muitas vezes a vida, amigos, é apenas a repetição do sofrimento de Cristo no Calvário, a degustação repetida do fel, os pregos e a coroa de espinhos. Até o filho de Deus teve a lança do centurião para lhe aliviar do padecimento, enquanto gritava pelo Pai, reclamando do abandono a que tinha sido relegado. A psicóloga Ana abriu uma estrada!
Por J. Flávio Vieira, médico e escritor. Membro do Instituto Cultural do Cariri (ICC). Agraciado com a Medalha do Mérito Bárbara de Alencar
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