“Não me encha o saco, me encha de glitter”
(Frase numa camisa de bloco de carnaval)
Pois é, amigos! Há sinais de fumaça auspiciosos no céu desse 2025. O Crato tem uma histórica tradição de carnaval. Os primeiros relatos vêm de meados do século XIX, no jornal “O Araripe”. Nossos primeiros blocos surgiram no início do Século XX. Até os anos 70, tivemos um dos mais animados carnavais do Ceará. Os Corsos na Rua Grande, A Noite do Havaí, as festas no Crato Tênis Clube e, principalmente, o Carnaval de Rua, com incontáveis blocos que alimentavam a folia no período momino. A partir dos anos 90, no entanto, a festa foi arrefecendo por aqui e os cratenses começaram a procurar as praias, Olinda, Recife e Salvador para não perder o gingado e a alegria.
Este ano, tivemos a sensação de que os bons tempos começam a voltar. Como o Rio de Janeiro que transformou a festa popular num espetáculo restrito na Sapucaí e, aos poucos, vem retomando os blocos de rua que perfazem a essência mais pura do carnaval. Houve incentivo da Secult Crato ao pré-carnaval, com blocos pulsando em vários bairros da cidade, com boa estrutura, como: De Juarez a Juarez, Humor Político, Cratucada, Sambocracia, Bloco dos que ficaram, Sem medo de ser feliz, Craterdamas, Primeiro Grito (São Miguel), Bloco do Lobo, Bloco dos Brincantes (Sagrada Família), Do Calangro (Alto da Penha). A centenária Banda Municipal de Crato envolveu-se na festa, com apresentações na Rodoviária da cidade (recepcionando os foliões que chegavam), no Mercado Municipal, na Encosta do Seminário e no Alto da Penha, criando clima animado de celebração. O Baile da Saudade do Crato Tênis Clube, um dos últimos remanescentes do carnaval histórico, este ano redobrou-se em animação, com duas bandas virais: A “Orquestra Sonata” (uma das mais afinadas do Ceará) e “Fervilhando”, de Sobral. O Clube ficou literalmente repleto de foliões até o amanhecer do Domingo Magro.
A escolha da Estação da Folia, no Centro Cultural do Araripe, para os festejos mominos, também, foi uma jogada de mestre. O Centro estava praticamente abandonado e subutilizado. Foi criada uma estrutura ampla fechada, com policiamento vultoso, uso de tecnologia de vigilância moderna, com um palco gigante, som e iluminação de qualidade, com priorização de bandas locais e abertura multicultural que contemplasse a maior parte dos gostos e tendências. Em todos os dias o espaço esteve superlotado e não se registraram casos de violência. Durante o dia, houve bailes infantis com grande audiência. A repercussão foi a melhor possível, basta correr os olhos pelas redes sociais. A Secretaria de Direitos Humanos e a Casa da Mulher estiveram de plantão todos os dias, com fins de coibir agressões de Gênero, homofobia e preconceitos vários.
Claro que ninguém é isento de críticas, advindas daqueles que não gostam de carnaval ou que transitam em distintas esferas políticas. Uma delas diz respeito a verbas gastas no evento, ínfimas, diga-se de passagem, se comparadas as de outras cidades bem menores. Deviam ser destinadas à Educação ou à Saúde dizem alguns. Imaginam, de forma enviesada, que Cultura não é importante e, mais, que carnaval (lazer) não tem ligação com Saúde e nem com Educação. Os tripés básicos de uma civilização são, justamente: Cultura, Educação e Saúde. Sem qualquer um desses pés, o banco pende e cai. Reclamam outros da introdução de ritmos eternamente exorcizados como Funk, Rap, Brega, Piseiro. Ritmos de pobres sempre afeitos ao preconceito. É preciso lembrar que têm enorme audiência, seguidores e fãs. Esses grupos têm o direito também de participar da festa, pagam impostos como todos nós. Se quisermos mudar essas predileções temos que lhes oferecer o que sempre lhes foi historicamente negado: Educação de qualidade, moradia, emprego, renda. Como alguém já disse sabiamente: se desejamos que gostem de Mozart, ao abrir a janela eles têm que ver uma Viena. Quanto a se ter vários pólos de folia, como alguns pretendem (Batateira, Alto da Penha, Ponta da Serra, Dom Quintino, etc), sou inteiramente a favor, passa, no entanto, por orçamento, parcerias, e criação de estrutura de palco, de policiamento e segurança à altura.
Alguns comerciantes do ramo de bares e alimentação desejavam que o evento fosse próximo aos seus estabelecimentos. Impossível servir a todos, numa cidade de dimensões tão extensas. Cada um pode promover seu próprio evento, de forma particular, para sua tribo, o que é extremamente salutar. Deve, no entanto, se responsabilizar por todos os detalhes necessários, como uso de espaço privado, segurança, palco, banheiros e contratação de insumos básicos à festa. Ao poder público resta o dever de promover uma festança gratuita, multicultural que caiba todos, sem quaisquer tipos de restrição e com total segurança.
Somos, no Brasil, bastante proativos nas críticas e apontamento de deficiências e falhas. Eximimo-nos, facilmente, em reconhecer a proficiência e o mérito quando as coisas andam bem e as iniciativas acontecem a contento. Parece-nos sempre que apenas cumpriram sua responsabilidade. Considero-me um crítico feroz, mas é preciso reconhecer o mérito de todos aqueles que organizaram o carnaval cratense 2025. À Secult Crato pelo empenho e o trabalho extenuante; ao Crato Tênis Clube pela festa linda que promoveu este ano; à Orquestra Sonata, à Banda de Leninha Linard, à Junu e Banda pelas soberbas apresentações; À Secretaria de Segurança Pública e à Polícia Militar pelo trabalho impecável; à Secretaria de Direitos Humanos e à Casa da Mulher pelo acompanhamento pari passu das festividades; aos diretores dos Blocos que criaram a mágica do carnaval e reacenderam a chama que andava meio apagada; à Prefeitura do Crato pela sensibilidade em reavivar uma festa profundamente cratense.
No próximo ano, a alegria se multiplicará: novos blocos brotarão por todos os cantos da cidade, as nossas Escolas de Samba, como fênix, de novo se sentirão estimuladas a participar da folia. Trocaremos a cara amarrada pelo glitter. A Estação da Folia mostrou que, novamente, o carnaval cratense está nos trilhos!
Por J. Flávio Vieira. Médico e escritor. Membro do Instituto Cultural do Cariri (ICC). Agraciado com a Medalha do Mérito Bárbara de Alencar
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor, e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri