No bairro onde cresci, havia uma velha figueira que, segundo as histórias de minha avó, era mágica. As crianças a chamavam de “Figueira dos Segredos”, e lá íamos todas as tardes, com nossas inquietações e perguntas infantis, acreditando que a árvore sussurrava respostas ao vento.
Um dia, depois de uma briga com meu melhor amigo, resolvi ir até a figueira sozinho. Estava confuso e triste, e precisava de um conselho que sabia que os adultos não poderiam me dar. Sentei-me sob a sombra frondosa e esperei que o vento trouxesse a sabedoria que buscava.
Enquanto aguardava, percebi a presença de Dona Cida, a vizinha mais velha do bairro, que se aproximava lentamente com sua bengala. Ela era conhecida por suas histórias e, para nós, era uma espécie de guardiã dos segredos da vida. Sem dizer uma palavra, sentou-se ao meu lado e começou a tricotar algo que eu não conseguia identificar.
— O que te trouxe aqui, menino? — perguntou ela, sem levantar os olhos do tricô.
— Não sei o que fazer, Dona Cida. Estou brigado com meu amigo e não sei se devo pedir desculpas. Acho que ele estava errado, mas também não tenho certeza…
Ela sorriu e continuou tricotando em silêncio. A brisa suave parecia brincar com as folhas da figueira, criando uma sinfonia sutil que nos envolvia.
— Sabe, meu jovem, a vida é cheia de escolhas entre o certo e o duvidoso — disse ela, finalmente. — Às vezes, o que parece certo para nós pode ser duvidoso para os outros, e vice-versa. O importante é discernir com o coração e a mente abertos.
Olhei para ela, ainda sem entender completamente suas palavras. Então, ela parou de tricotar e segurou minhas mãos com as suas, rugosas e fortes.
— Quando você está confuso, pergunte-se se a sua decisão traz paz ao seu coração. Se não trouxer, talvez precise reconsiderar. Às vezes, o certo não é o que pensamos inicialmente, mas o que nos faz sentir bem, sem machucar ninguém.
Passei a tarde inteira pensando no que ela disse. No final, percebi que, independente de quem estava certo ou errado, a amizade era mais importante do que o orgulho. Voltei para casa decidido a pedir desculpas ao meu amigo, não porque ele estava certo, mas porque a nossa amizade valia mais do que uma briga passageira.
Dona Cida me ensinou que discernir entre o certo e o duvidoso é um exercício contínuo, que envolve escutar o coração, a razão e, às vezes, até as árvores mágicas. E, assim, a figueira dos segredos continuou a ser nosso refúgio, não para encontrar respostas definitivas, mas para lembrar-nos que a busca pela sabedoria é, em si, um ato de coragem e humildade.
Por Mirta Lourenço. Médica, professora, cronista e poetisa
*Este texto é de inteira responsabilidade da autora, e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri