A rosa desabrochou, era vermelha. Cabia na palma da mão, mas só vi quando suas pétalas já estavam secas. Fiquei tomando chá preto, dizem que serve para se concentrar, mas ela ainda não veio, há tempos deixou de me visitar.
Coloco jazz e tenho vontade de jogar uma pedra para calar à música. Vejo o bebedouro do beija-flor jogado em um canto do quintal, ficou sem água, já não tinha pássaros para beber, pelos menos que chegasse até aqui.
O chá preto ainda está quente, quente mesmo é a impaciência. Da janela vejo uma senhora passar, não leva nada, a não ser as pernas que parecem pesar e um rosto franzido, talvez do sol ou de uma alguma dor, parece uma careta, riu. Talvez eu precise de águas correntes, de um outro rio.
As borboletas tiram minha atenção, eram amarelas e como todas borboletas com simetrias encantadoras. A mandala suspensa também parece querer voar, tem simetrias, mas não lhe deram asas. A menina Clara passa do outro lado, já é uma mulher, conheci pequena, converso pouco com ela, hoje não teria nada para conversar.
O jazz continua tocando. Desistir da pedra. É preciso respirar nos momentos turbulentos, nem sempre é possível.
A minha amiga preta e de alma vermelha, veio entregar um equipamento, aproveitou para falar sobre política. Queria mudar o mundo logo amanhã, mas está começando a perceber que o mundo não depende da vontade dela. Ainda bem que ela deseja mudar, eu também quero revolução.
Ganhei um presente. Valentina, minha sobrinha, que fala com o corpo todo e tem mais de mim do que imagino. Costumeiramente desenha uma rosa, uma única rosa, dentro de um vaso. Hoje me presenteou com rabiscos fortes que lembravam um trovão sobre o outro.
O chá preto, parece que está fazendo efeito. Um menino de camisa preta passa correndo. A irmã de Vitória, deve ter seis anos, brincava de bicicleta, enfrentando os desafios dos buracos e das calçadas, ela grita, parece felicidade.
Coço a barba, tentando encontrar o tabuleiro, mas não sei jogar búzios. A barba cresceu, nunca sei quando fica melhor.
A garrafa com chá preto ainda tem dois dedos e dez cavalos galopando na cabeça.
Por Alexandre Lucas. Pedagogo, integrante do Coletivo Camaradas e presidente do Conselho Municipal de Políticas Culturais do Crato/CE
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri