Pedalava nos pensamentos procurando encontrar um travesseiro. Era um desses dias, em que se olha para o horizonte e parece que ele tem cebolas: os olhos se enchem de lágrimas como se fossem adubar a esperança. Ainda é cedo, é preciso esperar a noite, pedalar mais um pouco, o corpo sua, talvez transpire poesia.
A mala foi desarrumada na tentativa de arrumar a vida. Ainda é cedo, é preciso esperar a noite. Na mala encontrei algumas fotos, tinha sorrisos, mas estava triste. A pulseira de couro estava ali, foi de um período em que sonhava conhecer o Brasil vendendo artesanato ao lado da pessoa amada: adolescente não tem chão. Encontrei as roupas que não uso há anos, presentes para serem esquecidos, mas não temos amnésia para as histórias dolorosas da vida.
O horizonte parece que tem cebola mesmo. Brinco com os dedos aumentando os cachos, talvez seja para rebobinar imagens que nunca existiram e fabricar sonhos. Parece uma calmaria em procissão, mas lembro que no tumulto não se tem procissão. Ainda é cedo, é preciso esperar a noite.
Confiança é algo difícil, após vários bombardeios, talvez seja preciso fechar a janela e colocar a roseira como um despertador. É possível sentir o perfume da rosa e transgredir momentos. Ainda é cedo, é preciso esperar a noite.
A noite vem com timidez e as dúvidas do dia seguinte. Chegou a hora de sentar à mesa, pedir alguns cafés, observar o baralho de palavras, os ventos que passam e os pássaros que insistem em cantar para lua. Perceber a noite vestida de mistério, afrouxar a leveza. Desenhar na palma da mão, isso mesmo, na palma da alma, para que o simples tenha a grandeza da magia. É possível fazer algo diferente.
Por Alexandre Lucas. Pedagogo, artista, educador e integrante do Coletivo Camaradas
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri