De repente… bateu saudade. Assim mesmo, sem aviso, sem anúncio, sem motivo claro. Eu estava distraída com o barulho do mundo, tentando dar conta das urgências do dia, quando ela me pegou de jeito. Não foi uma lembrança específica, nem uma data marcada. Foi só aquela sensação de falta que chega inteira, ocupando o peito todo.
Talvez tenha sido o cheiro de pão saindo do forno, igualzinho ao da casa da minha avó. Ou o tom da voz de alguém na rua, tão parecido com o de um amigo que há tempos não vejo. Pode ter sido o fim de tarde, com céu alaranjado e vento morno, que lembrava os dias em que a gente não tinha pressa de nada. Só sei que senti.
Saudade é dessas coisas que não se explicam. Ela não pergunta se pode entrar, não avisa quanto tempo vai ficar. Ela se acomoda, puxa cadeira, revira memórias e transforma qualquer momento em viagem no tempo. E a gente vai, sem nem perceber, passeando pelos cheiros, sons, gostos e rostos que ficaram guardados em algum canto da alma.
Às vezes, a saudade dói. Outras vezes, ela abraça. Tem hora que ela aperta o coração, mas tem dia que só aquece. Porque nem toda saudade é tristeza. Tem saudade que sorri com a lembrança, que conforta com a certeza de que aquilo existiu. E como existiu!
O mais curioso é que a saudade aparece justamente quando a gente acha que já superou. Como quem diz: “lembra disso?” E pronto, você tá de novo na rua da infância, sentado à mesa com quem já partiu, ouvindo aquela música que foi trilha de um amor que não voltou.
E não adianta tentar espantar. Saudade é teimosa. Ela insiste. E talvez seja bom que seja assim. Porque se há saudade, houve vida. Houve laço. Houve história. Só sente falta quem viveu. E viver, no fundo, é isso mesmo: deixar pedaços da gente espalhados pelo caminho.
Então eu deixei a saudade ficar um pouco. Fiz silêncio, respirei fundo, deixei o peito abrir espaço. Porque tem dias em que lembrar é a forma mais bonita de agradecer. E eu agradeci, em silêncio, por tudo o que um dia foi.
Depois, levantei, voltei pro presente e segui. Mas com um sorriso de canto de boca. Porque de repente… bateu saudade. E isso, no fim das contas, é só mais uma maneira de lembrar que estou viva.
Por Mirta Lourenço. Médica, professora, cronista e poetisa
*Este artigo é de inteira responsabilidade da autora, e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri