Tenho medo do escuro. Quando criança me costuraram dentro de uma rede, gritava, chorava e me faltava ar. Riam, como se fosse uma brincadeira, riam, Brincadeira era se abraçar ao tecido grosso, revirar o corpo e ver o chão, ou então, balançar alto, quase que fazendo da rede uma roda gigante.
Já não me costuram mais. Fico sufocado, temo o escuro e passo horas sozinho, talvez isso seja uma rede sendo costurada pelas minhas mãos.
Queria mesmo era estar brincando com Manoel de Barros, o velho peralta. Chupar manga e pintar a cara de amarelo, depois fazer careta. Beijar loucamente a boca a desejada e ter alguns intervalos para recomeçar. Bater tambor e ver a alegria sambar. Chamar as crianças para pintar os setenta, porque o sete seria pouco. Construir os Parangolés, de Hélio Oiticica, para incorporar junto ao povo no meio da lua, ou, da rua. Almoçar entre grãos de comunhão e risos, com sobremesas doces de brilho. Ainda queria jogar bola, só por jogar bola, sem precisar de ter ganhador. A casa poderia ser aberta, sem porta, nem janela, aberta mesmo para o vento entrar e as pessoas se acolherem, mas a morada é casa fechada porque nos colocamos em perigo.
Os bichos estão trancados e soltos dentro de nós, isso talvez tenha haver com as redes, os remendos e as costuras com todo tipo de linha, algumas de aço, outras de nuvens.
Fico aqui no fundo da rede balançando os pensamentos, as vezes durmo, agarrado aos pesadelos, mas guardo uma faca cega que ainda corta, é para quando tentarem me costurar. Aviso também que reside sonhos, tem borboletas e flores que fazem cócegas, caio no chão de pernas abertas e olhos fazendo cambalhotas.
Por Alexandre Lucas. Pedagogo, artista, educador e integrante do Coletivo Camaradas
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor, e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri