Certo poeta que não me lembro o nome, sei que era poeta, falou que “poesia mesmo quem faz são as crianças”. Mas não de maneira planejada, limando as palavras como propunham os Parnasianos, ou recolhendo palavras já feitas como receitava certo poema Dadaísta. A poesia nas crianças nasce simples, junto com a fala, e se tem ritmo? É lógico que sim! Mas principalmente, tem magia! Não é como o lirismo calculado dos poetas de academia, perdoem-me meus companheiros, a indiscrição e a modéstia, os poetas acadêmicos somos arquitetos racionais; a poesia da criança emana do ilogismo, não o forçado dos que se intitulam surreais, aliás, a poesia infantil não precisa dessa titulação, elas o são e pronto! Porque é próprio da criança a inexplicabilidade de sua linguagem, seus neologismo estruturais e semânticos.
Para os mais sensíveis, perceber tais belezas nas crianças e sua fala não é difícil, para os demais é irrelevante, eles não entendem. Agora, além do lirismo belíssimo das falas infantis, perceber a Catarse em seus discursos pueris é algo que exige muita atenção, e todos sabemos que atenção nesse aspecto não é algo que dispensamos a elas, e quando o fazemos é na busca de compreender algo muito pragmático, o qual elas muitas vezes não nos dão, não é próprio delas a exatidão.
Dito isto, não tenciono nem uma reflexão! Mas apenas reconhecer nesses seres pequenos e amáveis a sua capacidade, por mim, nunca antes percebida tão claramente. Esclareço: certo dia em sala de aula com uma turma de crianças, ou pré-adolescentes, que ainda contém uma inocência nas suas falas, não obstante suas sabedorias. Pois bem, nessa sala onde estavam pouco mais de vinte alunos, havia um garotinho de nome Rodrigo Sant`Ângelo, garoto esperto e de semblante, embora um pouco triste, muito falador, na melhor acepção dessa palavra “falador” no âmbito escolar. Esse garoto pra tudo tinha seus comentários, em geral, coerentes, algumas vezes, engraçados, outras desconexos.
Foi desse ser, que despretensioso e sincero, recebi uma bela lição de aprendizagem sobre o discurso na fala infantil. Eles não são apenas poetas com seu lirismo hedonístico, sua Poesia também possui uma certa dose de catarse sim, a julgar pelo comentário desse meu amiguinho.
Mas o que ele falou de tão interessante assim? Poderão me perguntar! Ora! Debatíamos na aula possíveis leitura para o poema “O medo” que Drummond dialoga com belo artigo do crítico literário Antonio Cândido. Nesse poema havia os seguintes versos:
“Em verdade temos medo.
Nascemos no escuro.
As existências são poucas;
Carteiro, ditador, soldado.
Nosso destino, incompleto.
Levantada a discussão sobre o que a palavra “carteiro” fazia ao lado das palavras “ditador e soldado”, achei por bem expor meu ponto de vista como professor: – Pessoal, o carteiro é uma das figuras mais poéticas que tenho visto! Para credenciar meu pensamento recitei uns versinhos do tempo em que eu fazia o ensino fundamental, lá na escola Dom Quintino: “O carteiro trazia alegre notícia, a chegada da vovó” não lembrei mais de nada além desses pequenos versos, mas citei Neruda ” O carteiro e o poeta”, e o debate seguia. Foi ai que o meu crítico mirim se contrapôs, levantou o dedinho numa questão de ordem e falou: – Professor, era assim no tempo do senhor! As crianças têm um jeito engraçado de medir o tempo, pra eles, eu sou um senhor de idade! E continuou: – Os carteiros de hoje não são tão poéticos,eles só trazem contas a pagar!
Nesse momento, diante de tanta percepção da realidade, elogiei-o pelo posicionamento, logo em seguida, tocou. Ainda bem, não saberia mais o que dizer diante de tal colocação, onde vi um garotinho de pouco mais de doze anos, eu acho, destilar na sua falinha poética, tanta catarse, e verdade.
Outro dia o encontrei pela rua, falou-me empolgado que estava na faculdade e seguiria a profissão de seu bisavô, saudoso jurista renomado. Creio que será uma grande jurista também, e a julgar pela maneira que sempre tratou os colegas, será justo. Eu dedico esta crônica ao amigo Rodrigo Sant´Ângelo!
Por Francinaldo Dias. Professor, cronista, contador de “causos” e poeta
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri