Reordenar a política nacional de cultura, a partir de intenso debate nos estados e municípios brasileiros é a tarefa central no processo de articulação e reoxigenação dos movimentos sociais de cultura dentro da construção da Conferência Nacional de Cultura. O que está em jogo é a defesa sem concessões de uma política de estado para cultura que foi interrompida nos últimos anos. Neste sentido, três questões devem ser tratadas como prioritárias: Consolidação do Sistema Nacional de Cultura, ampliação imediata da Política Nacional de Cultura Viva e a garantia permanente e com percentuais mínimos de aplicação de recursos nas esferas estaduais, municipais e federal.
O projeto de reconstrução nacional passa pela diversidade, pluralidade, antagonismo e desigualdades sociais e regionais do povo brasileiro e a cultura perpassa transversalmente os mecanismos de produção e reprodução material e imaterial da vida. O que requer que tenhamos uma política de estado que consiga colocar a cultura na centralidade da política e o mecanismo principal é o Sistema Nacional de Cultura que estabelece as diretrizes de controle e participação social, planejamento participativo da política pública e aponta a necessidade de recursos para execução dos planos de cultura.
A consolidação do Sistemas de Cultura nas três esferas dependerá da capacidade mobilização e articulação dos segmentos da cultura para que as leis dos Sistemas não sejam um aparato jurídico de caráter decorativo, afinal, é na pressão que os direitos historicamente se consolidaram. Entender as Leis do Sistema de Cultura como “constituição cultural” de cada esfera federativa, é encarar que a sua aplicabilidade não ocorrerá de forma pacífica, participativa e com soberania popular. A lei é a argumentação política para efetivação da política pública, dizendo de outra forma, a existência da lei não é garantia de efetivação da política pública.
Na consolidação dos Sistemas é preciso aperfeiçoar os mecanismos de controle e participação social, visando evitar que sejam meros instrumentos de manipulação e legitimação institucional, como vem ocorrendo constantemente no país. Como é o caso de cidades em que os seus conselhos de políticas culturais mesmo tendo caráter deliberativo não definem a política pública nos municípios.
Outra questão que deve estar alinhada à política de estado para cultura é a ampliação da Política Nacional do Cultura Viva (Pontos de Cultura) , tanto na esfera federal, como nos estados e na criação das políticas municipais do Cultura Viva. A dimensão revolucionária, transversal e de promoção da cidadania cultural que os Pontos de Cultura produziram e produzem no Brasil tem caráter civilizatório e emancipatório e um dos viés que proporcionou essa dimensão radical foi a descentralização de recursos públicos para as diversas organizações culturais do povo brasileiro, furando o eixo RJ/SP e adentrando na redescoberta da diversidade, pluralidade, desigualdade e potência do nosso povo. Ampliar a política do Cultura Viva é fortalecer o direito à cidade, reposicionamento político e social da classe trabalhadora e a movimentação da cadeia produtiva da cultura.
Um dos elementos centrais para que a política de estado seja executada é a garantia de recursos. A Lei Aldir Blanc I que surge num momento emergencial e num contexto político adverso, impulsionou a primeira experiência de repasse de recursos da União para Estados e Municípios como prevê o Sistema Nacional de Cultura. A Lei Aldir Blanc II que já tem caráter “permanente” precisa ser fortalecida e aperfeiçoada. Ao mesmo tempo, é imperativo que dentro da regulamentação do Sistema Nacional de Cultura esteja prevista a obrigatoriedade para que a União, Estados e Municípios apliquem percentuais mínimos dos seus orçamentos em cultura para execução dos Planos de Cultura, como já são previstos percentuais para Educação e Saúde. A luta pela destinação dos 2% do orçamento para cultura deve estremecer as discussões em todo o país. Os movimentos sociais devem ampliar forças para impulsionar essa conquista.
As conferências estão na ordem do dia e suas pautas devem ser tratadas como políticas de estado para não serem destruídas e reinventadas a cada quatro anos.
Por Alexandre Lucas. Pedagogo, artista, educador e integrante do Coletivo Camaradas
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