Acordei cedo, abri os braços para acolher o vento. Chovia. Olhava para cima, observava a goteira: pingo, pingo e pingo. A água fazia a poeira dançar. O chão encharcado e a coragem de repouso. O rodo escondido atrás da porta permaneceu calado. Tomei banho demorado, enquanto a água escorria pela extensão da casa.
Sentei à mesa. A garrafa estava cheia de chá de camomila, tomei sem pressa, aproveitei para brincar de amassar uma fatia de pão seco e desviar os caminhos das formigas. Os passarinhos que cantam por aqui estão engaiolados.
Estava nua, cabelos molhados, pés descalços. A mesa cheia de farelos e de formigas perdidas. As contas estavam todas pagas, essas que a gente paga com dinheiro, por outro lado, estava coberta de dívidas comigo mesma.
Naquele dia não queria sentir dor de barriga. Nada de cobranças. Queria apenas organizar a fogueira. Tocar fogo em tudo, em quase tudo. Pelo menos nos monstros que, enxiradamente decidiram ser inquilinos. Chutar as cinzas, fazer carnaval. Deixar a casa limpa. Dia de chuva e de fogueira.
Ainda chove, mas quero fazer fogueira. Ontem foi domingo e hoje decidi ficar comigo. A porta vai ficar escancarada para ver a vida passar. A chave vai ficar aqui em cima da mesa perto das formigas e das minhas mãos.
Por Alexandre Lucas. Pedagogo, artista, educador e integrante do Coletivo Camaradas
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri