Chiquinho, meu oitavo neto, está prestes a bicar a casca do ovo e saltar para dentro desse mundo novo. Traz consigo o ano de 2024 e, com ele, seus bons presságios. Do lado de cá, é certo, a coisa anda meio conturbada, com escaramuças entre países e entre pessoas. Divisões de lado a lado, fronteiras geográficas, morais, históricas e uma narrativa repetitiva onde mudam os personagens, o cenário, mas o script é sempre o mesmo. Mas Chiquinho chega teimando, quebrou a primeira vidraça que encontrou à sua frente. Os pais, morando em cidade grande, perceberam, rápido, que selva de concreto não é habitat natural de criança. Entre uma e outra marquise, entre um e outro arranha-céu, caberia espremido, no máximo, um pet, um poodle, um gatinho siamês, um hamster ou, quiçá, um Tamagotchi. Mas, que nada! Entre uma e outra tabela mal conduzida, se escafedendo em meio aos anticonceptivos e os DIU´s (capitães do mato dos óvulos e espermatozoides), driblou, como um Garrincha, e, quando menos se esperou, apareceu correndo como um Forrest Gump: ói eu aqui!
Os netos me trazem sempre uma alegria danada. São filhos sem o combo de preocupações que, em geral os acompanha. No mais, batendo à nossa porta já na maturidade e, também já nos aproximando da segunda infância, sabemos, de cátedra, o que é mera frescurite de pai marinando nas primeiras viagens e aquilo que na realidade é necessário levar à balança e aferir o peso. Nossa responsabilidade única é de aparar essas arestas bestas e desnecessárias que pretendem cortar as asas dos meninos. Dietas rigorosas, estudos precoces de línguas, aulas estapafúrdias de reforço, punições draconianas de danações típicas da meninice e adolescência… a obrigação dos avós é pegar tudo isso e jogar na lata do lixo. O principal dever de uma criança e o seu trabalho principal é brincar, beber o suco único de um período dourado da sua vida, o alicerce de toda a estrutura emocional do futuro, edifício que se vai construindo tijolo por tijolo. E a função dos avós é ir, sorrateiramente, cortando essas amarras com que os pais e a sociedade os vai atando. Aquelas algemas que os prende como o boneco de cera terminou por imobilizar o macaco que o ia esmurrando.
E o que desejo ao meu netinho Chico que já entreabre a portinha do mundo? Que seu choro seja apenas o prenúncio dos muitos futuros sorrisos. Que seja saudável e adentre essa Terra com a mesma força e determinação que teve para chutar a anticoncepção. Que traga a alegria e o bom humor daqueles que beberam da água da Lagoa dos Órfãos . E que carregue não apenas no nome, mas na alma, a leveza, a delicadeza e a sabedoria daquele outro Chico, o de Assis, que ensinava que a Felicidade só existe como um bem coletivo e que, por mais ínfima que seja uma pecinha do tabuleiro, ela é imprescindível para a beleza e a harmonia do grande quebra-cabeças universal. Bem vindo, Chiquinho! O planeta com toda sua beleza e resplandecência agora lhe pertence. Junto vem uma escumalha de deformidades, de incompreensão e desamor, mas você saberá decantar esses abrolhos e deles extrair o licor. Um brinde à vida! Saúde!
Por J. Flávio Vieira, médico e escritor. Membro do Instituto Cultural do Cariri (ICC). Agraciado com a Medalha do Mérito Bárbara de Alencar
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