Filho,
Ando morrendo de vez em quando. O mundo anda perigoso. A palavra mata mais que fuzil, não é exagero. A palavra ordena a morte e o sepultamento da esperança. O amor à humanidade é contestado. A mentira se espalha mais que a poeira e assim fica difícil de compreender a verdade.
Ainda estou vivo e mortinho da Silva. Tenho alguns desaforos para entregar. Preciso acolher os sonhos alheios e os meus, já que os assassinos estão de plantão e vestem a balança da justiça.
Filho, algo difícil na vida é tecer a verdade. Minta só quando for para sobreviver, assim como fez a guerrilheira urbana que se tornou presidenta do Brasil, mentiu como ato heroico para salvar vidas, inclusive a sua.
Filho, essa conversa de morte é só para reafirmar o desejo de viver e de constituir uma outra humanidade, em que a delicadeza seja fartura e a sinceridade seja o ar que nos acolha, num tratado trivial da convivência. Neste mundo nos ensinam a esconder as emoções e a verdade.
A mentira dita por medo, ou a mentira intencionalmente arquitetada, como bem instruiu o chefe nazista, não tem a mesma feição, apesar de todas serem mentiras, a segunda pode destruir vidas. Quem espalha notícias falsas assassina, achando que não está matando.
Filho, desconfie da verdade e da mentira, não cancele nenhuma nem outra, muito menos pessoas, assim estará cultivado compreender a complexidade da vida, que não é um resumo do bem e do mal. Alguns chamam isso de Yin e Yang, como você sabe chamo de dialética.
Filho, quando descobri que era neuro divergente, outras verdades me apareceram, já que passei parte da vida apreendendo mentiras sobre quem eu era. Não tem fórmula mágica para mudar, nem é também é música de Dorival Caymmi: “Eu nasci assim, eu cresci assim/Eu sou mesmo assim/Vou ser sempre assim”.
Ser sincero é um ato subversivo, quando a mentira é uma norma. Na maioria das vezes consigo ser subversivo, mas isso não é uma regra. A vida vai criando e destruindo suas regras a todo instante.
Filho, Olga Benário escreveu uma carta para sua filha, como despedida da sua morte anunciada, em que dizia: “Lutei pelo justo, pelo bom e pelo melhor do mundo. Prometo-te agora, ao despedir-me, que até o último instante não terão por que se envergonhar de mim”.
Filho, quando assassinarem teu pai, lembre-se de Olga Benário e da sinceridade do seu amor pela humanidade.
Por Alexandre Lucas. Pedagogo, artista, educador e integrante do Coletivo Camaradas
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor, e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri