Andava pela rua um homem, devia ser um homem. Certeza mesmo é que era um corpo humano, não dava para ver seu rosto. Calça preta e uma camisa branca cheia de nomes escritos com uma caneta vermelha. Sua cabeça estava coberta por cabeças de bonecas de todos os tamanhos, sujas e deformadas. Cabeças dessas abandonadas ao relento, quando as bonecas não servem mais.
Aquele corpo andava em silêncio pelas ruas. Algumas pessoas paravam e se perguntavam o que era aquilo, outras nem percebiam. Tinha gente que a partir daquele corpo criava histórias para justificar o que não tinha sido contado, do outro lado da rua surgiam gritos: “olha o doido”, “não tem o que fazer, vagabundo?”.
Em silêncio, o corpo andava seguindo uma procissão com suas cabeças de bonecas. Dessas procissões que têm como ponto de partida e de chegada as nossas cabeças.
O corpo seguia se desentendendo e reinventando no corredor de olhares, histórias e insultos.
A cabeça daquele corpo estava ali entre as cabeças das bonecas e outras cabeças humanas.
O corpo parecia um monstro andando pelas ruas. Os monstros existem e não usam cabeças de bonecas. Aos poucos o corpo foi ficando distante e desapareceu. Nunca mais vi aquele homem, acho que era homem, nunca soube ao certo. Só sei que os monstros seguem em corpos sem cabeças de bonecas.
Por Alexandre Lucas. Pedagogo, integrante do Coletivo Camaradas e presidente do Conselho Municipal de Políticas Culturais do Crato/CE
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri