Neste último quartel de século, imaginou-se que havíamos, definitivamente, ultrapassado, na política, a época do Coronelismo Clássico, principalmente no que tange à violência nos períodos eleitorais. Na memória dos mais antigos, ainda aparecem flashes dos embates da pistolagem, do banditismo, dos crimes encomendados que prosperaram em muitas cidades caririenses e circunvizinhas como: Santana do Cariri, Exu, Missão Velha e Lavras da Mangabeira. Salvo pequenas escaramuças entre cabos eleitorais e apaniguados partidários de lado a lado, este período tenebroso já parecia coisa do passado. Os tempos atuais de intensa polarização, no entanto, nos últimos meses, parecem nos ter remetido, como numa máquina do tempo, a uma reprise daqueles filmes de faroeste.
De início, houve a morte de um ex-policial, suplente de vereador de partido de oposição ao governo municipal, aqui em Crato. Um assassinato bárbaro, com uso de armas privativas militares e incontáveis tiros, com todas as características de execução à moda de facções criminosas que pululam pelo país. Chacina executada por profissionais e, como sempre, de difícil solução. Em período pré-eleitoral, rápido, alguns opositores do atual prefeito, puseram-se a fazer perigosas ilações, imputando o delito, como de natureza política, e apontando o palácio municipal como mandante do fuzilamento. Todas essas insinuações públicas, vezes veladas, outras frequentemente abertas e desbragadas, sem quaisquer provas que as sustentem, são de uma irresponsabilidade insana. Quem as emite, no calor da revolta da população, tem a clara certeza do dano que pode causar e das consequências imprevisíveis desse ato.
Como cidadãos devemos entender que nada justifica, em pleno Século XXI, uma vendeta como a acontecida no Mirandão. Independentemente do ódio destilado, da fúria, da raiva, nossas diferenças devem ser resolvidas nos tribunais, foi-se o tempo do olho por olho e dente por dente. O crime contra o ex-policial é injustificável e precisa ser elucidado. Por outro lado, não se justifica tentar resolver uma delinquência tão grave, utilizando uma outra: um crime de injúria e difamação. Apropriar-se de uma tragédia como aríete político. Voltamos, novamente, aos campos do Coronelismo do início do Século XX. Se há provas que sejam levadas à polícia investigativa, um grande benefício se estará fazendo à humanidade.
Não bastasse isso, nestes dias, um outro sinal do retrocesso político em nossa cidade. Num grupo de rede social, um candidato a vereador de oposição agrediu, perversamente, a genitora do atual prefeito, uma senhora de mais de oitenta anos, trabalhadora, íntegra, humilde, batalhadora e que não exerce qualquer cargo público. As palavras com que se referiu a ela fariam corar as meretrizes de um bordel. Termos de baixo calão, reles, desses que não se deve falar nem nas mesas dos bares. Como se justificar uma infâmia desse porte? Todos os que tiveram ou têm mãe podem dar uma resposta.
Na Democracia a oposição é essencial, traz o outro prato da balança e busca o equilíbrio do fiel. As críticas fundamentadas são benvindas e elogiáveis. Devem, no entanto, se ater à esfera administrativa, à vida pública dos administradores. Esta faceta é a que nos interessa e sobre ela qualquer funcionário público nos deve explicações detalhadas sobre suas ações. A vida privada é sagrada e interessa apenas ao seu proprietário. Imaginem a torpeza de se agredir uma mulher, idosa, trabalhadora, dedicada, virtuosa e que não exerce qualquer cargo público? Quantos crimes cometidos? Blasfêmia, difamação, feminícidio moral, agressão a idosos… Como chegamos nesse nível de degradação?
E a campanha eleitoral sequer deslanchou! É importante que os partidos, rápido, retomem as regras do jogo. O caminho da violência tem mão dupla. Quem lançar o bumerangue em pouco o terá de volta lhe raspando a cabeça. Os eleitores já não esperam dos seus candidatos propostas e projetos que lhe modifiquem os rumos de suas vidas, mas que tragam ao menos alguma decência, alguma dignidade, algum decoro, alguma compostura ao nosso convívio. De larápios, espertalhões e caluniadores já estamos cheios. E, até prova em contrário, mentir, detratar e, principalmente, agredir a mãe dos outros não soma votos em urna. Frequentemente só pontos na cabeça.
Por J. Flávio Vieira, médico e escritor. Membro do Instituto Cultural do Cariri (ICC). Agraciado com a Medalha do Mérito Bárbara de Alencar
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