“A nossa geração tem que escolher
o que ela valoriza mais: lucros de curto prazo
ou habitabilidade de longo
prazo no nosso lar planetário.”
Carl Sagan
A chacina de Dom Phillips e Bruno Pereira foi a crônica de uma morte anunciada, como poderia escrever nosso Gabriel Garcia Márquez. A nenhum de nós restava dúvida do fim triste e certo. Esse pareceu sempre o destino previsível dos ambientalistas brasileiros: Chico Mendes (1988), Dorothy Stang (2005), José Cláudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo (2011), Maciel Pereira dos Santos (2019), Márcia e Joanes Nunes Lisboa (2022). Lembra um amigo que se escarafuncharmos a Internet, constataremos que há uma infinidade de outros casos semelhantes na América Latina, de 2016 para cá, parecendo até uma coisa bem coordenada. Pensar diferente, agir fora da curva do pensamento paralítico dominante, aqui , traz consigo, sempre, o risco de morte súbita e violenta. Entre os ambientalistas acresce o perigo, pois seu trabalho, em geral, é um embate desenfreado contra o mercado e as vorazes estruturas econômicas predadoras vigentes.
Há uma diferença significativa, no entanto, nos massacres anteriores com as que aconteceram com Bruno e Phillips. Desta vez, o ocorrido tem , aparentemente, a chancela do estado brasileiro. Faz parte da sequência lógica de um programa danoso de Governo: deixar na inanição órgãos fiscalizadores; mexer da legislação facilitando o garimpo ilegal, a grilagem, as queimadas; tomar as terras indígenas e facilitar o encontro precoce da população índia com Tupã; fechar os olhos para o crime organizado e o ataque aos povos originários. Desde o primeiro momento, o governo brasileiro cuidou em pôr a culpa do ato criminoso nas próprias vítimas: eles eram malvistos, saíram em excursão por conta própria, aquela região é muito violenta… e por aí vai. Manteve-se o governo federal numa apatia intencional, como se o desaparecimento fosse esperado e mais, desejado. O imobilismo só acabou quando a repercussão mundial tomou de assalto a imprensa e começou a pressão externa por apuração e por respostas. O Brasil que já se tinha tornado um pária diplomático, de repente, viu-se acossado e, depois de dez dias, por fim, tivemos parte das respostas. Como sempre, estão nas grades alguns dos executores da tragédia, continuam soltos, os mandantes. Ridículo assistir ao mandatário maior do país dando pêsames aos parentes das vítimas sem, nem conseguir esconder a carona de parabéns.
Por outro lado, a mobilização internacional aconteceu, justamente, pela presença do jornalista britânico Dom Philips, do The Guardian. Se apenas o nosso Bruno Pereira estivesse na fatídica viagem pelo Vale do Javari, o desaparecimento seria apenas um BO de menos importância e a conclusão final, talvez seria que tinha sido abduzido por marcianos.
O atual governo tem chancelado ações e programas dignos de um III Reich: genocídio na Pandemia com negacionismo e falta de compra de vacinas, com quase 700.000 baixas; índices recordes de queimadas na Amazônia; incursões policiais criminosas em favelas e morros Brasil afora; apoio incondicional a milícias no Rio de Janeiro; liberação de porte de armas para a população civil; 30 milhões de brasileiros, passando fome, 110 milhões em insegurança alimentar, 200.000 morando na rua. E seguidas ameaças à Democracia, armando golpe na surdina, temendo o resultado das urnas que, por pesquisas, lhe parecem totalmente desfavoráveis.
Dom Philips e Bruno Pereira deram a vida, pensando num futuro mais respirável e promissor para a humanidade. Que seus assassinos paguem pelo hediondo crime cometido! Que os mandantes sejam identificados, aqueles que manobram as cordas toscas das marionetes, untadas de sangue e de ódio, e que paguem por suas ações. E que os brasileiros entendam que para coibir ilegalidades atrozes como as cometidas, é preciso fechar as comportas que as alimentam: as forças poderosas escondidas nas sombras dos palácios e gabinetes, que não têm rostos, mas têm nomes. Para afugentá-los, assim como acontece com os vampiros, basta jogar a luz sobre eles e usar um repelente poderoso que tem o nome de voto.
Por J. Flávio Vieira, médico e escritor. Membro do Instituto Cultural do Cariri (ICC)
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri