Ganhei açaí, deixei na geladeira e chorei. Era quase nove horas da noite, ainda não tinha comido quase nada, além de uma pipoca e ter mastigado algumas sementes. Passei o dia balançando na rede, sem muita coragem para dizer desaforos ou declamar poemas de amores. Estava feito feto, preso à rede. Na verdade, preso a mim. Naquele instante a única respiração que gostaria de sentir era a minha, nada mais. Faltava-me forças para um abraço.
Chorava porque não era obrigado a segurar o choro. O açaí foi apenas gatilho. Eu estava na geladeira, derretido em lágrimas, sem saber desligar os botões. `Pensava no açaí que não conseguia comer. Queria sentir o seu gosto revirando os olhos e querendo mais. Ponto, não consegui comer o açaí. Aquela comida chegou como um beijo intenso e molhado e com cara de despedida.
Estava aprisionado a outras comidas e a falta de apetite. Cheio de partidas e muros. Não sei quando vou comer, sinto fome, mas me falta gosto, às vezes falta comida, outras deixo estragar.
O gosto parece desaparecer, mas creio que ele deve estar escondido em um dos meus baús, guardo tantas coisas que se perdem, já tenho a memória preenchida de intervalos e dias com poucas sentadas.
Ainda chove, falta sal e açúcar, mas fiquei sabendo que depois da linha tem uma casa em brotam rosas da varanda, talvez lá consiga sentir o prazer do paladar . Como os amantes que se comem de desejos e planejam a nova aurora.
Por Alexandre Lucas. Pedagogo, artista, educador e integrante do Coletivo Camaradas
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri