É mais difícil quebrar um coco babaçu do que um preconceito. Abrir a mente das pessoas é mais complicado de abrir do que um pequi verde. Por isso mesmo estamos cercados de visões estereotipadas ao nosso redor. Os judeus tidos como ‘usurários’, os mouros e ciganos ‘enrolões’, as loiras ‘burras’, os baianos ‘preguiçosos’, os cariocas ‘malandros’, os nordestinos ‘atrasados’, os cearenses ‘cabeças chatas’. Os que têm lerdeza em pensar são propensos aos clichês e acreditam que com um só adjetivo é possível definir todo um povo. Fica, assim, muito mais cômodo criar os guetos para ali colocar todos aqueles que, a nosso ver, diferem da regra considerada normal por alguns censores. Mas não pretendo, aqui, defender os meus conterrâneos da pecha de macrocéfalos, vá lá alguns nestas terras têm aquela cabeça de mamãe-sofreu como dizem os pernambucanos só para nos impingir. Mas, os neurônios que nos colocaram a mais, como um apêndice, um estepe, serviram para criar um povo resiliente, lutador, desapegado, solidário, com capacidade de rir da própria desgraça, adaptável a todos climas meteorológicos e sociais como poucos outros neste planeta. Se a inteligência é a capacidade de se adaptar a novas situações, o cearense é imbatível neste critério. Cabeça-Chata, Lascou-Mãe , Fração-Imprópria, Cabeção, Cabeça de Mamãe-Sofreu, para nós não é xingamento, mas elogio.
Os pernambucanos que têm o mais animado Carnaval do mundo, carnavalizam também seu dia a dia. Na época do videocassete, que antecedeu o DVD e o Blu-ray e o streaming na corrida tecnológica, houve o lançamento de um modelo com quatro cabeças com imagem de melhor qualidade. Os pernambucanos diziam que no Ceará não foi possível fazer o aparelho porque ao juntar as quatro cabeças ficou o artefato do tamanho de uma geladeira. Cabeçudo, em Recife, era greado (este é um verbo bem recifense) a toda hora. Um conterrâneo de faculdade, na Veneza Brasileira, para variar, tinha aquela cabeça à Rui Barbosa. Chamavam-lhe de “Bebêcinha”. Pediam-lhe a cabeça chata emprestada para jogar sinuca. Diziam que o menino tinha nascido normal, mas que desde pequenininho a mãe batia na sua cabeça , toc-toc-toc, dizendo:
— Cresça, meu filho, pra você ir estudar em Recife!
Mãe batendo na lata, tanto bate que ela fica chata! Ultimamente um colega daquela época ligou pra ele perguntando-lhe se era verdade que o pai do cabeçudo tinha comprado um drone para mapear a cabeça do cristão. Haja gréia!
Salvo os mais estourados, toda essa gozação sempre foi levada com muito bom humor. Casca grossa, cedo nos acostumamos ao que hoje se chama de bullying e tornou as coordenações escolares um tipo de delegacia. Uma vez, a mãe de Bebêcinha foi reclamar de uns companheiros do filho que estavam zoando muito com o menino. Os colegas então explicaram a razão:
— D. Matilde é porque eu tava assistindo à novela das seis e Bebêcinha passou correndo na frente do aparelho…
— E daí? Passou correndo! E isso te atrapalhou em quê?
— Dona Matilde, até que ele passou logo, mas e a cabecinha, hein? Daqui que ela passasse… Ficou empatando na frente e eu perdi ainda três capítulos da novela das oito!
Por J. Flávio Vieira, médico e escritor. Membro do Instituto Cultural do Cariri (ICC). Agraciado com a Medalha do Mérito Bárbara de Alencar
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri