Comecei escrevendo foi nas paredes: primeiro da casa, da casa que nunca tive, mas que chamava de minha, depois nas paredes da rua, da rua que também nunca foi minha. Quando escrevia nas paredes da casa, sem ainda conhecer o alfabeto e sem saber o que estava escrevendo; escrevia com mais vontade de dizer do que escrever, não sabia dizer e ninguém entendia o que escrevia, mas escrever nas paredes da casa é sempre perigoso: a gente ganha mais gritos e surras do que elogios, mas escreve.
A gente cresce e vai esquecendo as paredes da casa. Elas ficam menores e, nós invisíveis diante das paredes da cidade. Quando tinha 14 anos, talvez menos, já escrevia e as pessoas entendiam o que escrevia, mas não sabiam o que eu queria dizer.
Escrever na rua é mais perigoso, principalmente, quando já se sabe o alfabeto e o significado do grito e da surra.
Poderia escrever em casa, preencher papéis com palavras e desenhos e depois guardar, esconder de mim e dos outros, mostrar somente a quem quisesse ver. Essa era a opção descartada apesar de escrever em muitos papéis.
O papel que queria estava nas ruas. Mapeava as ruas e suas paredes, os prédios mais altos e aqueles onde circulavam o maior número de olhos. Saia escrevendo como quem carimba a cidade, onde uma palavra, apenas uma palavra diz o que não se escreve.
Escrevia e voltava para casa, aquela que nunca tive, demorava a dormir, ficava em silêncio, peregrinando nos meus pensamentos e escrevendo percursos da noite e das escritas proibidas. No outro dia acordava cedo para me ver nas paredes das ruas que não eram minhas.
Como eu escrevia, outras escrevem na estátua do Padre Cícero e nas paredes de um banheiro público qualquer. Por pouco tempo a parede fica branca, porque tem sempre alguém querendo dizer algo.
Por Alexandre Lucas. Pedagogo, integrante do Coletivo Camaradas e presidente do Conselho Municipal de Políticas Culturais do Crato/CE
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri