Esperar em fila é uma daquelas experiências universais que, de tão comuns, mal nos damos conta do quanto podem revelar sobre nós mesmos e sobre o mundo ao nosso redor. É curioso como, em um espaço tão limitado, existe uma espécie de microcosmo da vida, onde pessoas que nunca se viram compartilham um momento que, para muitos, é de pura impaciência.
Certa vez, encontrei-me numa dessas filas que parecem não ter fim. Era uma tarde abafada, daquelas em que o calor e o cansaço transformam a espera em uma prova de paciência. Ao meu redor, a fila se estendia em uma curva interminável, enquanto rostos impacientes observavam o movimento quase imóvel dos caixas à frente. Em meio ao tédio inevitável, comecei a prestar atenção nas pessoas.
Logo atrás de mim, havia um casal jovem, discutindo baixinho sobre a conta de luz que haviam esquecido de pagar. Mais à frente, uma senhora de cabelos brancos segurava firmemente uma bolsa de pano, parecendo perdida em pensamentos. Um homem de meia-idade tentava, sem sucesso, acalmar uma criança que insistia em explorar o chão sujo. E assim, enquanto o tempo avançava a passos lentos, percebi que a fila, aquele espaço aparentemente insignificante, era um reflexo da vida em movimento.
Há algo de profundamente revelador no modo como as pessoas se comportam em filas. Alguns disfarçam a ansiedade checando o celular repetidamente, como se cada notificação pudesse encurtar os minutos de espera. Outros resmungam, impacientes com a lentidão do sistema, como se reclamar fosse acelerar o processo. Mas, ocasionalmente, surgem pequenos gestos de gentileza que quebram a monotonia.
Naquela tarde, foi a senhora de cabelos brancos quem me ensinou essa lição. Após perceber que a criança do homem à frente estava inquieta, ela abriu sua bolsa de pano e, com um sorriso, ofereceu um pacote de biscoitos ao pai. A criança aceitou de imediato, encantada com a inesperada doçura da oferta. O pai, visivelmente aliviado, agradeceu com um aceno. Um simples gesto, quase invisível, mas que mudou completamente o ambiente ao redor. De repente, a espera pareceu menos pesada.
Observar aquela cena me fez refletir sobre como as filas, mesmo que indesejadas, podem ser uma oportunidade de aprendizado. Nelas, somos forçados a lidar com nossa própria paciência — ou a falta dela. Somos confrontados com o fato de que nem sempre podemos controlar o tempo ou as circunstâncias, e que, às vezes, tudo o que nos resta é respirar fundo e esperar.
Mas, além da paciência, as filas nos ensinam algo ainda mais importante: a gentileza. O tempo parado nos dá a chance de olhar para o outro, de reconhecer que estamos todos, de alguma forma, enfrentando pequenas batalhas no dia a dia. A senhora com os biscoitos, o pai cansado, o casal preocupado com as contas — cada um ali, com suas histórias, dividindo aquele espaço temporário, sem saber muito uns dos outros, mas compartilhando algo em comum.
Ao final da fila, quando finalmente chegou a minha vez, não me sentia mais tão irritado com o tempo perdido. Na verdade, saí dali com a sensação de que, às vezes, as pausas inesperadas no ritmo da vida são convites para observar mais atentamente o mundo à nossa volta. São nesses momentos, aparentemente sem importância, que podemos perceber o valor de um sorriso, de uma palavra de apoio ou de um simples pacote de biscoitos.
As filas, com todo o seu tédio e espera, têm o poder de nos ensinar a olhar para além de nós mesmos. Se prestarmos atenção, veremos que elas são, na verdade, metáforas da vida: há atrasos, imprevistos e esperas longas. Mas, no meio de tudo isso, há também beleza e humanidade — desde que estejamos dispostos a observar e, quem sabe, a fazer nossa parte para tornar a jornada de todos um pouco mais leve.
Por Mirta Lourenço. Médica, professora, cronista e poetisa
*Este artigo é de inteira responsabilidade da autora, e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri