“A aviação e o rádio aproximaram-nos muito mais. A própria natureza dessas coisas é um apelo eloqüente à bondade do homem… um apelo à fraternidade universal… à união de todos nós. Neste mesmo instante a minha voz chega a milhares de pessoas pelo mundo afora… milhões de desesperados, homens, mulheres, criancinhas… vítimas de um sistema que tortura seres humanos e encarcera inocentes. Aos que me podem ouvir eu digo: Não se desesperem! A desgraça que tem caído sobre nós não é mais do que o produto da cobiça em agonia… da amargura de homens que temem o avanço do progresso humano. Os homens que odeiam desaparecerão, os ditadores sucumbem e o poder que do povo arrebataram há de retornar ao povo. E assim, enquanto morrem homens, a liberdade nunca perecerá.”
(Charles Chaplin, em O Grande Ditador)
As magias, nesta vida, em geral são voláteis como o vidro de éter que se abre sobre a mesa. Duram um piscar de olhos, um estalar de dedos. Mas existem lá suas exceções, como em toda regra que se preze. No Cariri, o primeiro veículo de comunicação, apareceu nos meados do Século XIX, o hebdomadário “O Araripe” de João Brígido. Até então a vilazinha de Frei Carlos utilizava a doce língua do povo para a disseminação das novidades e fofocas locais, claro que sem abrangência proporcionada pelo jornal . Mesmo assim, essa abrangência limitava-se aos poucos letrados da época e a uma pequena elite ainda profundamente feudal e incipientemente mercantil. O Rádio, que chegou ao Brasil junto como centenário da nossa independência, em 1922, instalou aqui, no ano seguinte a nossa primeira emissora: A Radio Sociedade do Rio de Janeiro. Esse seria o primeiro instrumento de comunicação verdadeiramente popular, de massa, atingindo, pela oralidade, gregos e suburbanos. No Ceará, devemos a dois libaneses, com ligações profundas com o Crato (aqui haviam chegado no final dos Oitocentos) e imigraram para Fortaleza em 1928. Lá fundaram a primeira Rádio Cearense, a famosa Ceará Rádio Clube, a PRE-9. Chamavam-se os irmãos João e José Dummar, introdutores também do futebol no sul do Ceará. Meio libaneses, meio cratenses, ainda existe muito da sua parentela entre nós.
No Cariri, o Rádio aportou em agosto de 1951, com a Rádio Araripe, ligada aos Diários Associados. Três meses depois fundou-se, no Juazeiro, a Rádio Iracema. O Rádio, além de informativo e formador de opinião, tornou-se um grande impulsionador da arte musical brasileira.
Em 1959, sob iniciativa da Diocese de Crato, Dom Vicente de Araújo Matos inaugurou a Rádio Educadora do Cariri, agora completando seus sessenta e um anos no ar e seu primeiro aniversário no formato FM.
Hoje, observando a proliferação midiática mundo afora, muitos vêm o Rádio como algo retrô, um fóssil da comunicação, mantido como uma peça de museu. Pensou-se, por um tempo, que o Rádio seria engolido pela televisão, pela internet, pelo PC, pelo smartphone. Ao contrário do que se imaginou, o Rádio continua mais vivo do que nunca. Assim como o livro de papel não foi destruído pelo eletrônico, o CD não triturou o vinil, o jornal não se viu substituído pela televisão. Como essa magia do Rádio continua a nos enfeitiçar ainda quase cem anos depois ? O Rádio fala diretamente ao nosso ouvido, como um amigo que chegou a casa ou um parente que mora conosco. Sem o artifício da imagem associada, puxa a nossa imaginação para que construamos, nós mesmos, cenários e personagens. O Rádio, também, sem a ditadura extrema de tempo, é mais afeito ao desprendimento e à reflexão. A TV e a Internet são os primos ricos na nossa casa, meio escafolobéticos e cheios de riquififes. O Rádio é o tio boêmio e bonachão que chega ressacado, manhãzinha, trazendo as fofocas e novidades da noite e da rua.
Hoje é um dia de festa no Cariri. Aos 61 Anos a nossa Educadora está viva e lépida, fez até uma cirurgia plástica recentemente, uma lipo e liftings e está toda recauchutada e efe-emizada. Toda a trupe de administradores, locutores, produtores e técnicos abrem o champanhe e cortam o bolo. Percebe-se que até alguns convivas distantes estão presentes na festa: Elói, Heron, Zé Cirilo, Roberto Piancó, J. David, Mons Rocha, Berredo e tantos, tantos outros viajantes que aos poucos vão se achegando. A Educadora é uma prova viva de que o encanto e a magia podem ser perenes e duradouros e que uma voz emitida na boca do microfone pode fazer-se eco e imantar o coração de milhares de ressentidos e desesperados. A voz nos alegra , nos ensina e nos diverte. A Voz é um apelo à comunhão universal, ela pode ser um bálsamo.
Por J. Flávio Vieira, médico e escritor
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri